sábado, 23 de fevereiro de 2008

A INTERTEXTUALIDADE ENTRE A EDUCAÇÃO PÚBLICA E A GESTÃO DEMOCRÁTICA

A INTERTEXTUALIDADE ENTRE A EDUCAÇÃO PÚBLICA E A GESTÃO DEMOCRÁTICA

“Não nasci marcado para ser um professor assim (como sou).Vim me tornando desta forma no corpo das tramas, na reflexão sobre a ação, na observação atenta a outras práticas, na cultura persistente e crítica. Ninguém nasce feito. Vamos nos fazendo aos poucos, na prática social de que tomamos parte.”
Paulo Freire

Quando pensamos em educação pública, de qualidade e democrática, pensamos imediatamente em uma educação que seja de todos, com todos e para todos; que instrumentalize o educando tanto em criticidade quanto em conhecimento; que desenvolva o exercício da cidadania através da participação em decisões e no respeito à alteridade, bem como no compromisso com o bem-social de toda coletividade humana.
Da mesma forma, quando pensamos em gestão democrática, pensamos e partimos de um dos princípios fundamentais da democracia, a saber, o princípio da socialização das decisões e responsabilidades.
Na caminhada percorrida pelos trabalhadores em educação, após a abertura política e nas disputas pelo modelo de redemocratização, o debate em torno do tipo de gestão democrática a ser adotado no sistema público de ensino alcançou status legal.

Amparados por artigos da Constituição Federal (Art.206, inciso VI), estadual (Art.197, inciso VI) e pela própria LDB (lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996) as conquistas alcançadas no RS permitiram uma maior participação na gestão escolar e na autonomia dos projetos político-pedagógicos das escolas.
Entretanto, nestes tempos de modernidade tardia, a caminhada em direção a gestão democrática que queremos deve ser percorrida com a participação de todos os segmentos da comunidade escolar. Estes, por sua vez e a um só tempo, devem estar imbuídos de disposição para a disputa política que envolve, de um lado a defesa de uma educação verdadeiramente pública, de qualidade e democrática e, de outro, uma lógica empresarial de educação, pensada a partir da relação custo-benefício econômico, político, pessoal e ideológico.
No Rio Grande do Sul a disputa entre estes dois modelos claros e antagônicos de educação tem se travado principalmente entre o CPERS/SINDICATO e o atual Governo do Estado. Este, transplantando a visão política das experiências do PSDB de Minas, São Paulo e Rio de Janeiro passou a operar com conceitos de política educacional que oneram a qualidade do processo pedagógico no Ensino Público Estadual.
Diante deste quadro, inclusive marcado pelas disputas de interpretação sobre exercício de cidadania, participação popular, educação pública e gestão democrática é que se faz necessário dominar conceitos essenciais à discussão sobre a escola pública que queremos, as políticas educacionais que devem se concretizar e o modelo de participação democrática que efetivamente contribui para a qualidade do processo pedagógico de construção, socialização e utilização social eficaz do conhecimento.
Conceitos como igualdade de condições (e não só de oportunidades), democracia popular (não apenas democracia formal), direitos coletivos (e não a exclusão dos direitos individuais), socialização das decisões e responsabilidades (e não a decisão sobre alternativas impostas e responsabilidades punitivas) entre outros, devem servir de cenário conceitual mais amplo para as discussões aparentemente mais específicas. São definições essenciais para o entendimento sobre a gestão democrática na escola pública, a importância da participação de pais, alunos e trabalhadores em educação nas decisões, bem como os limites impostos, tanto na gestão, quanto na construção do projeto político-pedagógico.
É preciso pensar gestão democrática como instrumento de denúncia, mobilização e construção de ações políticas de oposição a visões de educação orientadas pela lógica de mercado, que não operam segundo um conceito de educação como investimento social, humano e ético-cultural.
Definir previamente o ethos da educação pública e da gestão democrática significa não aceitar interpretações reducionistas. Não aceitar que conduzam nossa atuação política à condição de espectador na pior das hipóteses e, na melhor, à condição de ator social que, adestrado, raciocina segundo a lógica determinada.


Paulo César Machado
Professor de História
Guaíba - RS

O IDEÁRIO NEOLIBERAL E A EDUCAÇÃO

O IDEÁRIO NEOLIBERAL E A EDUCAÇÃO

Luiz Etevaldo da Silva*


Costumamos a ouvir falar sobre a política econômica neoliberal: que defende a não intervenção do Estado na economia, promovendo privatizações, precarização das relações de trabalho, etc. Mas o que pretendo trazer para reflexões são alguns aspectos da ideologia neoliberal que forma sutilmente imaginários, maneiras de pensar, que reforçam as idéias desta fase de desenvolvimento do capitalismo atual. Este papel, muitas vezes, são desempenhados por escolas, através de uma pedagogia que não se pauta pela lógica dos movimentos sociais.
Podemos identificar processos da ideologia neoliberal através de alguns ideários, tais como: temos que nos preparar para competir, o mais importante é vencer, pobre não adianta é assim mesmo, temos que premiar os melhores, não te envolve com política, os sem-terras são um bando de vagabundos, pobre é pobre porque é preguiçoso, não adianta se associar ao sindicato, sou contra os sindicalistas, entre outros. Ou seja, numa sociedade dividida em classes, onde capital e trabalho é a essência, defender o primeiro é contribuir com o pensamento capitalista, que se orienta pelo neoliberalismo, a partir do final dos anos 70, do século XX. Pensar e entender os pressupostos básicos desta ideologia é indispensável para promover mudanças sociais e econômicas e criar condições para ampliar a cidadania. O liberalismo tem preocupação apenas com a economia, ou seja, com as formas de produzir e reproduzir o capital. A lógica dele é o mercado globalizado.
No neoliberalismo, a grosso modo, a vida fica dependente do lucro. Significa, por exemplo, que um sujeito chega doente na unidade de saúde, a primeira coisa a ser perguntada é se tem algum plano de saúde ou dinheiro para pagamento particular, depois pensa-se na vida dele. É um modelo que desperdiça quase a metade que é produzido, em termos de alimento, contudo morrem milhões de fome. Para produzir e produzir, acumular capital mais e mais, explora-se os recursos naturais até a extinção, polui-se, acabando com grande parte da biodiversidade, pondo em risco a vida no planeta. Mas ainda há os que acham isso o ideal do “desenvolvimento”. E muitas vezes por despolitização reforçamos as idéias que fomentam esse tipo de relações, que nega a cidadania a grande maioria, aumenta as desigualdades sociais e precariza a qualidade de vida.
A ideologia neoliberal é fatalista, procura convencer que a realidade que se configura é a única possível, não há outras maneiras de se viver, com relações mais humanizadoras, com cidadania. Chegaram até a propalar o fim da história. É uma ideologia conservadora dos status quo dos grupos dominantes, organiza o sistema social e político para favorecer poucos. Por isso, não tem preocupação com a qualidade dos serviços públicos, pois quem precisa dessas políticas é a maioria excluída, o qual a política neoliberal não tem nenhum compromisso.

*Professor( Ijuí-RS)

O PODER DA ELITE

O PODER DA ELITE¹

Luiz Etevaldo da Silva*

Família de trabalhadores sai de casa, visitar amigos, ao retornar para casa descobre que os larápios haviam arrombado sua residência e levado televisão, geladeira, fogão, roupas, objetos de cozinha, ou seja, levaram quase tudo, que tinham comprado com imensas dificuldades, à prestações ao longo de anos. Diante do inesperado e do desespero, resolveram registrar o fato na polícia. No outro dia, estavam na frente da casa cerca de 700 policiais militares, civis e federais, com homens do Batalhão de Operações Especiais, para iniciar uma operação de busca e apreensão dos objetos furtados. Tudo organizado com a elite da inteligência das polícias gaúcha, com rapidez para elucidar o fato com a maior brevidade.

Que tal se o acontecimento, imaginado acima, tivesse acontecido, como na “fantástica” operação das polícias (militar, civil e federal) na ocasião da entrada, no dia 17/01/08, de cerca de 400 integrantes do movimento dos sem-terras (MST), na fazenda Coqueiros, em Coqueiros do Sul (RS), em busca de “suposto” furto de objetos e dinheiro na ocasião de chegada ao local. Será que um cidadão urbano tivesse sido vítima de furtos em sua residência teria todo este aparato policial para tentar recuperar seus bens? Eu não conheço nenhum caso semelhante que tivesse tanta atenção por parte das autoridades de segurança pública. Minha hipótese provisória é que isto aconteceu com os sem-terras porque eles são símbolos de luta contra o “câncer social” da estrutura agrária brasileira durante cinco séculos, que é o latifúndio.

O aparato policial no fundo, provavelmente, não era somente para recuperar os supostos objetos furtados, mas um movimento simbólico do poder da elite gaúcha que tem seus interlocutores nas instâncias legais do poder constituído. A polícia apenas cumpriu ordens superiores. Na história do Brasil é possível encontrar fenômenos semelhantes de uso da violência desnecessária apenas para mostrar a força dos grupos de elite econômica e política, que controla poderes do Estado e, desta forma, procura amedrontar os movimentos sociais. Para defender os cidadãos no seu cotidiano não existe estrutura policial suficiente, mas para assustar os movimentos reivindicatórios de cidadania é montada operação pomposa, com cobertura das grandes mídias, como uma gravação de cenas de um filme, de uma novela global. Quanto foi gasto nesta operação que podia ser utilizado para pagar melhores salários aos policiais, equipar melhor as viaturas de atendimento diário, de aquisição de tecnologias para fazer frente a criminalidade.

Classifico este fenômeno sociológico e político como reflexo do subdesenvolvimento brasileiro, das desigualdades, da concentração de renda e riqueza, dos acessos diferenciados à justiça pelos que tem capital e os trabalhadores comuns. É um a aberração no ponto de vista da cidadania, mas não é novidade. O poder da elite num país subdesenvolvido é muito grande, por isso que ela perpetua-se com seus privilégios, mantém inalterada a estrutura e os processos sociais e políticos no decorrer dos tempos. Esta operação é uma demonstração da capacidade de defender seus interesses por parte da elite política e econômica. É o conservadorismo mostrando sua força militar e política. Cabe aos movimentos sociais aprofundar o entendimento deste fenômeno para construir estratégias e táticas para engendrar a contra-hegemonia. A luta por cidadania tem que continuar!
¹.Texto publicado no Jornal da Manhã ( Ijuí/RS, dia 22/01/08, www.jornaldamanhaijui.com)
*Professor

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Defesa das reformas democráticas une partidos de esquerda

O Ato de Lançamento da Campanha em Defesa das Reformas Democráticas, na tarde/noite desta quarta-feira (20), em Brasília, reunindo cinco partidos políticos – PSB, PCdoB, PT, PDT e PRB - representa a retomada do fio da história brasileira iniciada em 1950. Os oradores – presidentes e líderes dos partidos políticos – destacaram a importância da unidade das legendas em torno das reformas necessárias ao desenvolvimento do país.
Todos os oradores destacaram a necessidade das reformas e importância da luta
O presidente do PCdoB, Renato Rabelo - o primeiro orador e o que fez o discurso mais longo - disse que "essa iniciativa de se discutir as reformas democráticas tem sentido político importante para os partidos de esquerda e progressistas e para o governo do Presidente Lula. Segundo ele, "a luta pelas reformas democráticas – em um país de grandes desigualdades sociais e regionais, discriminações e dependências - comparado aos diversos períodos da nossa história, em que teve momentos de assenso e descenso, é a expressão no campo político dessa realidade estrutural".
Para o senador Cristovão Buarque (PDT-DF), a luta deveria ser para que a escola do filho do trabalhador seja a mesma escola do filho do patrão. Ele, que foi recebido com o canto de "Parabéns Prá Você", disse que nos estamos aqui porque temos um lado, que é diferente da elite brasileira que defende a continuação do que se tem desde o começo do nosso País. "Vamos procurar a causa comum que nos faz igual apesar das siglas diferentes" e estendeu os parabéns a todos os presentes, "porque somos diferentes, sonhamos e sabemos o nosso lado".
A deputada Jô Moraes, que falou em nome do PCdoB – a última a falar na solenidade que foi marcada por um grande número de oradores – foi breve. Ela disse que "cabe a nós, lideres dessa Casa, nos transformarmos em instrumentos regimentais e legais da força transformadora que cada um de vocês traz para as ruas na mobilização em torno dessas reformas", acrescentando que "temos convicção de que somos capazes de nosso unir em torno de projeto de desenvolvimento que leve este país a dias melhores".
A parlamentar comunista disse ainda que "se soma às reformas, desafios maiores, inclusive os que entravam o desenvolvimento do País – as taxas de juros e superávit primário", mas enfatizou a certeza da "construção de um núcleo de convicção que compreende que para enfrentar desafios de desenvolvimento, a unidade em torno de uma plataforma é fundamental".

Luta de muitos anos
Para Renato Rabelo, a luta por reformas estruturais no país "começa nos anos 1950 e chega ao apogeu com o ex-presidente João Goulart e as forças avançadas da época, que assumem a luta pelas reformas de base. O golpe militar de 1964 trunca essa luta que crescia e se expandia e mobilizava contingentes cada vez maiores do nosso povo. Reaparece essa luta com a redemocratização do país e fim do regime militar. A Constituição de 1988 já reflete e expressa sentimentos e anseios dessa reformas democráticas que é mais uma vez truncada com os governos neo-liberais, que perpassou a década de 1990".
Ele destacou que "a eleição de Lula abre um novo ciclo político do País e abre caminho para que as reformas sejam aplicadas levando em conta as condições concretas do nosso país. Mas as mudanças exigem luta e pode até dizer que é luta de reformas e contra-reformas", citando o exemplo da reforma trabalhista, de flexibilizar regras trabalhistas, como contra-reforma ou anti-reforma
O dirigente comunista disse ainda que "os partidos de esquerda devem ter como plataforma reformas democráticas e lutar por elas". Ele lembrou também o compromisso dos partidos da base do governo "de se contrapor a agenda negativa imposta pela oposição com uma agenda positiva e propositiva de reformas democráticas que atendam os interesses do povo".
Preparando o caminho
O presidente do PT, Ricardo Berzoini, destacou as mudanças que estão sendo feitas pelo Governo Lula. Mas ressaltou que "por mais felizes que possamos estar com os resultados alcançados, não estamos satisfeitos, porque o Brasil é um país tão desigual que apenas um governo com dois mandatos não é capaz de superar todas as desigualdades".
Ele vê na iniciativa de lutar pelas reformas democráticas "o caminho para preparar o País para este século que imporá mais desafios", afirmando que "vai empenhar o PT para que possamos viabilizar uma agenda comum, uma aliança programática, uma mobilização popular, que vai sustentar nosso projetos, que é dar continuidade as mudanças promovidas pelo Governo Lula e que são mudanças que estão sendo aprovadas pelo povo".
Palavras de apoio
Os representantes do PSB, senador Renato Casagrande (ES) e o líder do Partido na Câmara, deputado Rodrigo Rollemberg (DF), também discursaram. Casagrande fez também um longo discurso, em que ressaltou as dificuldades do andamento dos trabalhos legislativos impostas pela atuação da oposição, que produz crises para evitar o avanço das reformas iniciadas pelo Governo Lula.
Na esteira da fala do companheiro de Partido, Rollemberg destacou a importância da pauta positiva que representa a defesa das reformas democráticas. Acrescentando o empenho que os socialistas têm e terão, junto com as demais legendas progressistas, para lutar pelo que considera avanços para o País.
Kleber Verde, do PRN, manifestou o desejo do seu Partido de se engajar na campanha e disse que "fazemos com consciência histórica da necessidade dessas transformações para viver em uma país justo, soberano e igualitário". Ele elogiou a iniciativa do evento de buscar apoio dos partidos e a participação do povo, adiantando que as reformas pretendidas "vão ser favoráveis ao povo brasileiro".
O deputado Vieira da Cunha (RS), líder do PDT na Câmara, também lembrou o ex-presidente João Goulart, "que pregava as mesmas reformas que hoje discutimos para o desenvolvimento do país". E fez coro às palavras do correligionário – senador Cristovão Buarque – destacando a necessidade e importância da reforma educacional.
Pelo PT também falou o líder na Câmara, Maurício Rands (PE), que disse estar orgulhoso da mobilização dos partidos de esquerda pelas mudanças iniciadas no governo Lula. "Os partidos de esquerda, que tem compromisso em construir o socialismo, devem discutir reformas emancipatórias, que é o que nos unifica, o valor da igualdade e a radicalização da democracia", afirmou.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

CAMINHOS PARA A EDUCAÇÃO

“Se a educação sozinha não transforma a sociedade, tampouco, sem ela, a sociedade se transforma”.
Paulo Freire

É difícil deixar de refletir e comparar, na distância que se acentua, a educação pública dos tempos pós-modernos com aquela que esperávamos conduziria os povos ao progresso, à felicidade universal, à autonomia individual e coletiva.
Entre os pesquisadores e teóricos que analisam a Educação Pública no Ocidente um consenso se institui com uma quase-unanimidade: há um descaso do poder público com a educação ou, na melhor das hipóteses, uma orientação economicista que não opera segundo um conceito de educação como investimento social, humano e ético-cultural.
Tal constatação não deve nos conduzir apenas ao campo das discussões teóricas e generalizadas mas, ao contrário, a apontar aquilo que é específico, particular e concreto, que possa ser relacionado ao que é opinião entre estudiosos do assunto para inclusive testar suas afirmativas.
No caso do RS, do atual Governo do Estado e sua política educacional, olhando do lugar de professor da rede pública do estado, as medidas que começaram a ser implementadas só têm equivalência_ me parece sensato concluir_ ao desastroso calendário rotativo do Governo Collares.
Alguns exemplos destas medidas iniciaram-se já no segundo semestre de 2007, cujo mais dramático foi o que amontoou alunos de turmas diferentes e séries diferentes em uma mesma sala de aula.
Fica difícil pensarmos em educação pública de qualidade com conceitos como enturmação e multisseriação. Mais difícil ao percebermos que o ano letivo de 2008 no Rio Grande do Sul, como se sabe, iniciará recheado de mudanças que afetarão o processo pedagógico no qual estará envolvida a comunidade escolar gaúcha da rede pública estadual.
Ao que parece, ou ao que me parece, o Governo Yeda tem tratado a educação pública a partir de um enfoque meramente econômico, economicista, com base no princípio da relação custo-benefício orientada para um mínimo de investimento com o máximo de resultados educacionais. Entretanto, o mérito educacional é dos trabalhadores em educação e dos educandos, ainda que não haja, por parte da atual política educacional, um compromisso libertário e transformador com uma educação que se possa dizer pública, de qualidade e democrática.
Não fosse apenas isto e como se não bastasse, não é preciso ser muito inteligente para concluir que, de imediato dois problemas, no mínimo, estão sendo criados: um diz respeito à saúde mental dos trabalhadores em educação e ao estress dos alunos e, outro, diz respeito à demissão de professores contratados.Quanto ao primeiro, tal constatação é previsível tanto no que se refere às salas inapropriadas no quesito metro quadrado por pessoa quanto pela angustiante, preocupante e desmotivadora insuficiência de recursos pedagógicos para a garantia do pleno processo de ensino. Quanto ao segundo, pela óbvia contribuição do atual governo do estado para com os índices de desemprego entre trabalhadores em educação no Rio Grande do Sul.
E os caminhos para a educação? Estão perdidos na dimensão das palavras pois já denunciara Drummond: “dos contratos que tu lavras não vi, amor, valimento, só palavras e palavras feitas de sonho e de vento”.

Paulo César Machado
Professor de História, Diretor do Núcleo de Guaíba

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

UNIDADE DOS TRABALHADORES

Um novo cenário se descortina para o movimento sindical brasileiro em 2008. Isso se deve, em grande medida, à decisão das centrais sindicais em estabelecer ações conjuntas e que tem como gesto inaugural o lançamento da campanha pela redução da jornada de trabalho, ocorrida nesta segunda-feira, em São Paulo.

Vai-se firmando a convicção de que de nada adiantam ações fragmentadas e isoladas. A força da luta dos trabalhadores por seus direitos e para impulsionar mudanças mais profundas no país é diretamente proporcional à capacidade de unificar as bandeiras políticas.

Não é só em torno da redução da jornada que as centrais estão se organizando. Outras pautas importantes têm merecido um tratamento conjunto. Entre elas a legalização das centrais sindicais e a ratificação de normas 151 e 158 da Convenção da OIT no país, que garante o direito das organizações de defenderem os interesses dos trabalhadores da função pública e a que dá garantias aos trabalhadores da iniciativa privada.

No rumo da unidade, a Central dos Trabalhadores do Brasil – CTB tem conclamado às outras organizações a promoverem conjuntamente as comemorações do 1º de Maio neste ano e, também, de convocarem um Congresso das centrais para unificar a luta dos trabalhadores brasileiros.

Esse novo esquadro pode impulsionar a luta política e dar novo fôlego ao movimento sindical, inclusive descortinando caminhos para além da resistência aos ataques do capital, alcançar novas conquistas.

Nota da Secretaria da Mulher da CTB ao Dia Internacional da Mulher

Dia Internacional da Mulher

Companheiras,
Em nome da CTB, saudamos as companheiras que integram as diretorias das entidades filiadas, destacando que este é o primeiro Dia Internacional da Mulher comemorado após a fundação da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil. Um dos destaques programáticos da CTB é precisamente a importância da mulher trabalhadora no cenário sindical, sua organização e participação para impulsionar as suas reivindicações e fortalecer as lutas gerais do movimento.
Neste importante momento da vida nacional e de estruturação da nossa Central, o 8 de Março é uma oportunidade para marcar nosso posicionamento frente às principais questões que envolvem a luta da mulher trabalhadora na atualidade.
Destacamos às companheiras que discutam com a diretoria de sua entidade a realização de atividades alusivas à data, voltadas à categoria e ou através de participação conjunta com as organizações de mulheres, Fóruns, Conselhos dos direitos das mulheres e outros, priorizando sempre ações unitárias e de caráter amplo. As entidades filiadas devem divulgar o nome da CTB nos seus materiais. Destacamos, a seguir, os principais eixos da luta da mulher no contexto político e social brasileiro da atualidade:
REDUÇÃO DA JORNADA PARA 40 HORAS SEMANAIS, SEM REDUÇÃO DE SALÁRIO
A redução da jornada de trabalho, no atual momento da vida política e econômica do país, tem importante significado: além de gerar de imediato milhares de novos postos de trabalho, ao mesmo tempo, será fator de impulso ao crescimento do país, à medida que mais trabalho gerará mais renda e maior acesso ao consumo. Os trabalhadores, por sua vez, poderão participar desse crescimento, com a melhora da qualidade de vida, pois a redução da jornada assegurará tempo maior ao lazer, ao cuidado com a saúde, ao acesso à cultura e ao convívio familiar e social.Às mulheres, a redução da jornada atinge de forma ainda mais eficaz, à medida em que alivia a sobrecarga que lhes é imposta pela dupla jornada de trabalho. A Secretaria da Mulher da CTB está elaborando um cartaz nacional para o 8 de março, com a campanha 1 MILHÃO DE ASSINATURAS PELAS 40 HORAS SEMANAIS. Todo nosso empenho deve ser dado à Campanha, aproveitando o enfoque para combater a carga histórica da dupla jornada imposta às mulheres.
CONTRA O FATOR PREVIDENCIÁRIO NO CÁLCULO DA APOSENTADORIA:
Esta questão também deve ser abordada pelas trabalhadoras, tendo em vista que a expectativa de vida da mulher, considerada para o cálculo de benefício, têm reduzido em até 40% o valor do benefício da mulher trabalhadora que se aposenta por tempo de serviço.
MANUTENÇÃO E AMPLIAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS QUE CONTRIBUAM PARA ROMPER COM AS DESIGULDADES ENTRE HOMENS E MULHERES:
As questões de gênero não podem ser esquecidas, portanto é importante manter a mobilização em defesa de campanhas e incentivos institucionais que contribuam para romper com as desigualdades entre homens e mulheres, no trabalho, na educação, nas instâncias de poder e na vida doméstica.
Especial atenção à questão do combate à violência contra a mulher e à campanhas que valorizem a imagem social feminina, combatendo preconceitos e estereótipos machistas.
Esperamos que todas as entidades filiadas dêem o merecido destaque à luta histórica das trabalhadoras que deu origem ao 8 de Março, bem como criem as condições materiais e políticas para que as companheiras de diretorias, departamentos e ou secretarias da mulher possam desenvolver as atividades aprovadas e possam participar com entusiasmo na consolidação da CTB, em sua metade feminina e em sua totalidade igualitária, democrática, plural e classista!
Um forte abraço a todas,

Abgail Pereira - Secretária da Mulher da CTB

Sobre as Terceirizações nas Relações de Trabalho, retirado do sítio http://www.cttb.org.br/

Terceirização impõe “padrão de emprego asiático
A subcontratação de trabalhadores por empresas com sede em outros países, a chamada terceirização transnacional, impõe o “padrão de emprego asiático”, marcado pela alta rotatividade, baixa remuneração e longa jornada de trabalho. A análise consta da pesquisa A Transnacionalização da Terceirização na Contratação do Trabalho, apresentada pelo presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea),
O fenômeno da terceirização transnacional vem se expandindo e tende a aumentar, principalmente no setor de prestação de serviços, segundo o estudo. A pesquisa cita organizações como a Nike, fabricante de artigos esportivos. Dos 600 mil trabalhadores da empresa em 51 países, apenas 24 mil são diretamente contratados – quase 95% de terceirização.A estimativa, segundo o estudo de Pochmann, é que 6,7 milhões de novas ocupações anuais sejam criadas pela terceirização transnacional nos próximos dez anos. No entanto, uma tendência da terceirização transnacional que está se consolidando é a redução dos custos trabalhistas, que resulta na informalidade e na falta de cobertura previdenciária dos empregados.Na avaliação de Pochmann, a subcontratação internacional influencia significativamente o padrão de remuneração da mão-de-obra, pressiona os custos de contratação e de proteção dos riscos do exercício do trabalho. “Esse tipo de terceirização da mão-de-obra não se apresenta como imperativo de modernização das condições gerais da produção no início do século 21. Pelo contrário, pode assemelhar-se, guardadas as proporções, ao retrocesso das conquistas alcançadas até o momento”, aponta.O estudo sugere o fortalecimento da regulação pública nas questões trabalhistas não apenas dentro de cada país, mas em nível internacional. “O sindicalismo opera como se as economias mantivessem a atuação quase exclusiva no espaço nacional e termina por fragilizar ainda mais a função da barganha coletiva junto aos empregadores patronais”, avalia Pochmann

MARXISMO e EDUCAÇÃO, por Demerval Saviani

A relação entre marxismo e educação pode ser considerada de múltiplas, e variadas, formas. Um exemplo dessa variedade é o livro, recentemente publicado, Marxismo e educação: debates contemporâneos (LOMBARDI e SAVIANI, 2005). Nele, além da Apresentação de José Claudinei Lombardi – que discute amplamente a atualidade do marxismo –, encontram-se textos de diferentes autores, abordando além da visão de Marx e Engels as contribuições de Lênin, Gramsci, Althusser, bem como os temas da construção dos sistemas educacionais, da dialética e pesquisa em educação, da qualificação dos trabalhadores, da crítica ao construtivismo, concepção socialista de educação, politecnia e pedagogia histórico-crítica.
Portanto, o leitor interessado em adquirir uma compreensão mais aprofundada das relações entre marxismo e educação poderá, com proveito, lançar mão dessa obra. No presente texto, tomo um aspecto específico que, a meu ver, constitui o cerne da concepção filosófica de Marx. Trata-se da categoria de “concreto”. Para tanto, abordarei o significado dessa categoria tal como a expõe Marx no “método da economia política”. Discutirei a concepção marxista no quadro da filosofia moderna e contemporânea. E, finalmente, examinarei sinteticamente as implicações dessa concepção para a pedagogia.O significado do conhecimento em MarxDe acordo com Marx, o movimento global do conhecimento compreende dois momentos. Parte-se do empírico, isto é, do objeto tal como se apresenta, à observação imediata. Nesse momento inicial, o objeto é captado numa visão sincrética, caótica, ou seja, não se tem clareza do modo como ele está constituído. Aparece, pois, sob a forma de um todo confuso, como um problema que precisa ser resolvido. Partindo dessa representação primeira do objeto chega-se, por meio da análise, aos conceitos, às abstrações, às determinações mais simples. Uma vez atingido esse ponto, faz-se necessário percorrer o caminho inverso (segundo momento), chegando pela via da síntese de novo ao objeto agora entendido não mais como “a representação caótica de um todo”, mas como “uma rica totalidade de determinações e de relações numerosas” (MARX, 1973, p. 229).Assim compreendido, o processo de conhecimento é, ao mesmo tempo, indutivo e dedutivo, analítico-sintético, abstrato-concreto, lógico-histórico.
Nas palavras do próprio Marx, “o primeiro passo reduziu a plenitude da representação a uma determinação abstrata; pelo segundo, as determinações abstratas conduzem à reprodução do concreto pela via do pensamento” (Idem, Ibidem).
O empirismo – e, portanto, o positivismo – se limita ao primeiro passo. Para essa tendência gnosiológica, conhecer, fazer ciência, é reduzir o complexo ao simples; é passar do particular ao geral; é chegar a conceitos gerais, por isso mesmo, simples e abstratos, dotados – exatamente por causa de seu caráter abstrato – de validade universal.
Inversamente, o racionalismo idealista limita-se ao segundo passo. Para essa tendência é o pensamento que constitui o homem real; o que significa que também o mundo só é admitido como real, enquanto concebido. “Por isso Hegel caiu na ilusão de conceber o real como resultado do pensamento, que se concentra em si, se aprofunda e se movimenta por si próprio, enquanto o método que consiste em elevar-se do abstrato ao concreto é para o pensamento precisamente a maneira de se apropriar do concreto, de o reproduzir como concreto pensado” (Idem, Ibidem).
De fato, “a totalidade concreta enquanto totalidade pensada, enquanto representação mental do concreto”, é produto do pensamento; resulta da atividade de conceber. Mas não é “produto do conceito que desse origem a si próprio, que refletisse exterior e superiormente à observação imediata e à representação” (Idem, p.230). Ao contrário, ela é “produto da elaboração de conceitos a partir da observação imediata e da representação” (Idem, Ibidem).
Deve-se distinguir, portanto, o concreto real do concreto pensado. “O todo, na forma em que aparece no espírito como totalidade pensada, é um produto do cérebro pensante que se apropria do mundo do único modo que lhe é possível” (Idem, Ibidem), isto é, conceitualmente. Já o concreto real, antes do processo de conhecimento, assim como depois, “conserva sua independência fora do espírito” (Idem, Ibidem).
Vê-se, pois, que estamos diante de uma concepção claramente realista, em termos ontológicos, e objetivista, em termos gnosiológicos. Assenta-se, portanto, em duas premissas fundamentais: 1. As coisas existem independentemente do pensamento, com o corolário: é a realidade que determina as idéias e não o contrário; 2. A realidade é cognoscível, com o corolário: o ato de conhecer é criativo não enquanto produção do próprio objeto de conhecimento, mas enquanto produção das categorias que permitam a reprodução, em pensamento, do objeto que se busca conhecer.Uma concepção ultrapassada?Indicada a concepção marxista do conhecimento, é inevitável enfrentar objeções do tipo: mas essa não é uma concepção ultrapassada, ligada à visão moderna, com sua “metafísica do sujeito”? Não é Marx um autor do século XIX, marcado pelo paradigma do racionalismo iluminista, amplamente contestado em nossa época, delimitada pelo linguistic turn?
De fato, está amplamente difundido, nos dias de hoje, o enquadramento de Marx como um autor enclausurado aos limites da modernidade, equiparando-se a Comte, Spencer, Darwin e a outros representantes do século XIX, cujo pensamento girava ainda no âmbito das aporias enunciadas por Kant.
Mas é exatamente essa espécie de lugar-comum de nossa época que precisa ser discutida.
A meu ver, esse enquadramento de Marx aos limites da modernidade é um equívoco gnosiológico, isto é, científico e filosófico, embora não se possa negar que seja um acerto ideológico. Esclareçamos esse enunciado, sem dúvida, polêmico.
É mais ou menos consensual o entendimento de que a filosofia moderna foi inaugurada com Descartes. A dúvida metódica – por ele lançada em seu Discurso do Método e radicalizada nas Meditações –, coloca em questão todos os conhecimentos anteriores para instaurar, sobre a experiência subjetiva da dúvida, a verdade inabalável do “cogito”: se tudo eu posso pôr em dúvida, há algo do qual não posso duvidar, a saber, que eu duvido. Ora, se eu duvido, eu penso; e se eu penso, eu sou; eu existo (“cogito, ergo sum”). E Descartes irá descrever o eu pensante como “res cogitans”, uma coisa que pensa, por oposição à “res extensa”. O sujeito é, portanto, uma substância que se define pelo pensamento; uma substância espiritual, indivisível, unitária (indivíduo), por oposição à substância material que pode ser dividida ao infinito. Dir-se-ia que se instituiu, a partir daí, a “metafísica do sujeito”, entendida por muitos como sendo a característica definidora do pensamento moderno.
Efetivamente, dessas duas noções cartesianas derivaram as duas correntes básicas da filosofia moderna: o racionalismo e o empirismo, ambas ancoradas no sujeito, transformado na nova sede do critério de verdade. A crítica cartesiana desautorizou o objetivismo e o realismo ingênuos que dominaram o pensamento antigo e medieval. Até aí vigorava o critério da evidência objetiva, tão bem traduzido no significado da palavra grega denotativa da verdade: αλήθεια (aléteia), que significa “coisas não cobertas”, isto é, evidentes, às quais o pensamento deve se submeter. É esse o caráter da definição clássica de verdade como a adequação do intelecto à coisa, ligada à consideração de que o critério último e universal de julgamento da verdade é a evidência objetiva. A partir de Descartes o critério de verdade desloca-se para o sujeito: nada terá estatuto de verdade sem passar pelo crivo da experiência subjetiva. O crivo da razão, expresso na arte de raciocinar fundada no exercício da dúvida, dá origem à tradição racionalista: só poderá ser aceito como verdadeiro aquilo que eu puder reduzir a idéias claras e distintas. Ou o crivo da sensação, expresso na arte de observar fundada no exercício dos sentidos, que origina a tradição empirista: aqui só será considerado verdadeiro aquilo que eu puder perceber por meio de meus sentidos.
No entanto, a história da filosofia moderna pode ser lida, também, como a história da erosão da noção de substância. Assim, se em Descartes o sujeito cognoscente é uma substância que pensa (“res cogitans”) e o mundo é um complexo de substâncias materiais (“res extensae”), o exercício crítico empreendido pelos seus sucessores vai progressivamente bombardeando a noção de substância até bani-la completamente do campo filosófico. Com efeito, o empirista Berkeley fará desaparecer completamente as substâncias materiais, admitindo apenas a existência de substâncias espirituais, como fica evidente na fórmula “esse est percipi”, por ele enunciada. Ser é ser percebido. Isto significa que algo só pode existir se e enquanto for percebido por algum espírito. Portanto, a garantia da existência contínua das coisas que compõem o mundo é dada pela existência de um espírito absoluto e eterno que continuamente está percebendo tudo. Igualmente em Leibniz, o elemento simples que está na base da constituição de todo o universo é a mônada, uma substância espiritual, portanto indivisível e desprovida de extensão. Todo esse movimento desemboca em Kant que, formado na tradição racionalista,
ao se deparar com a visão empirista expressa nas análises de Hume, se coloca o problema crítico: como é possível o conhecimento humano?
Sua resposta sintetiza os resultados das correntes racionalista e empirista. O sujeito cognoscente está constituído por formas “a priori”, a partir das quais ele constrói o objeto do conhecimento organizando os dados da experiência por meio das categorias do entendimento. Mas esse sujeito cognoscente não coincide com o sujeito empírico, com aquilo que, ao nível do senso comum, nós entendemos como sendo aquele que conhece. Trata-se do sujeito transcendental, entendido como uma pura função de conhecimento. Não é, pois, uma substância. A filosofia moderna chega, com Kant, ao seu coroamento, momento em que a noção de substância se desintegrou totalmente. Estamos, aqui, no campo do idealismo transcendental. Segundo Kant, o que nós chamamos de objetivo é apenas uma maneira de nomear aquilo que é universalmente subjetivo. Hegel, com seu idealismo absoluto, leva às últimas conseqüências a concepção kantiana o que significa que já se coloca na linha de superação da filosofia moderna, lançando as bases da filosofia contemporânea.
Em Hegel também a idéia de substância desapareceu inteiramente, não se podendo falar em sujeitos do conhecimento ou sujeitos da História. A História não é outra coisa senão a manifestação do espírito absoluto no tempo. Portanto, se a história tem um sujeito, este é o espírito absoluto, do qual os personagens, os líderes, não são mais do que instrumentos. Por isso os chamados grandes líderes da história, cumprido o desígnio do espírito absoluto, “caem como cascas vazias de amêndoa” (HEGEL, 1970, p.58). Ou, numa outra tradução da frase hegeliana impressa na obra Filosofia da história: “caem como cápsulas vazias de um fuzil”.
O que tem a ver Marx com essa concepção que caracterizou a filosofia moderna? Conforme Balibar (1995, p.82-83), “do ponto de vista do idealismo clássico, poderia parecer que Marx tenha procedido simplesmente a uma reunião (que poderia ser uma confusão) dos três pontos de vista” que, acrescento eu, compõem o núcleo da filosofia de Kant e que são, respectivamente, “a ciência (inteligibilidade dos fenômenos), a metafísica (ilusões necessárias do pensamento puro) e a moral ou ‘razão prática’ (imperativo da conduta)”.
Mas, prossegue Balibar, essa comparação põe em evidência a originalidade da “teoria da constituição do mundo” elaborada por Marx, “em relação às que a precederam na história da filosofia (e que, é claro, Marx conhecia intimamente)”. Eis, em síntese, o cerne da originalidade dessa teoria da constituição do mundo:
É que ela não procede da atividade de nenhum sujeito, de qualquer forma de nenhum sujeito que seja pensável a partir do modelo de uma consciência. Em contrapartida, ela constitui sujeitos ou formas de subjetividade e de consciência, no próprio campo da objetividade. De sua posição “transcendente” ou “transcendental”, a subjetividade passou para uma posição de efeito, de resultado do processo social (IDEM, p. 83).Entendendo o homem como o conjunto das relações sociais, o único sujeito contemplado na teoria de Marx é o sujeito prático que é, “na verdade, um não-sujeito, isto é, a sociedade, como o conjunto das atividades de produção, de troca, de consumo”. Portanto, nessa teoria “a constituição da objetividade não depende do dado prévio de um sujeito, de uma consciência ou de uma razão”. Ao contrário, é ela que “constitui sujeitos que são parte da própria objetividade” (IDEM, IBIDEM). Em suma, Marx opera uma inversão completa do pensamento moderno: “sua constituição do mundo não é obra de um sujeito, ela é uma gênese da subjetividade (uma forma de subjetividade histórica determinada) como parte e contrapartida do mundo social da objetividade” (IDEM, p. 85).
Situando-se no ponto culminante da filosofia moderna, representado por Hegel, Marx buscou empreender a crítica da modernidade de forma contundente, ao mesmo tempo em que procurou desenvolver os elementos da concepção hegeliana que rompiam com o pensamento moderno em sua máxima expressão, consubstanciada na síntese kantiana.
Em contraponto a essa senda científico-filosófica aberta por Marx, nós poderíamos dizer que a maior parte da produção filosófica dos últimos 150 anos não passa de notas à margem do pensamento kantiano que buscam retomar e discutir as conclusões de suas três críticas: a crítica da razão pura, a crítica da razão prática e a crítica do juízo. Com efeito, o positivismo toma como ponto de partida e se constitui num desdobramento da conclusão kantiana segundo a qual apenas a matemática e a física são possíveis como ciência. O vitalismo bergsoniano, assim como o historicismo de Dilthey, procura negar a conclusão de Kant segundo a qual não existe intuição intelectual. O existencialismo e a fenomenologia e, de certo modo, também o positivismo lógico e a filosofia da linguagem partem da constatação kantiana relativa à contraposição entre fenômeno e coisa-em-si.
E concluem pela negação dessa dualidade ao afirmarem a precedência da existência sobre a essência (existencialismo), a descrição do fenômeno como via de acesso à essência (fenomenologia) e ao considerarem que nada existe por trás dos fenômenos (positivismo lógico e filosofia da linguagem). Aliás, sinal dessa força da matriz kantiana é a denominação de escolas neokantianas atribuída aos grupos organizados no interior desses dois últimos movimentos filosóficos.
E, curiosamente, uma das temáticas que toma corpo nessas correntes e se insinua também no interior do pensamento atual que, de forma genérica e um tanto imprecisa, tem sido chamado de pós-moderno, é a do solipsismo. Presente em Kant, mais explorado por Schopenhauer e abordado por Sartre, tal tema ocupa um lugar importante no positivismo lógico, especialmente em Carnap e Wittgenstein. Este dedica ao tema algumas proposições do Tractatus, em especial aquelas da série 5.6. Esta, a proposição de número 5.6, tem o seguinte enunciado: “Os limites de minha linguagem denotam os limites de meu mundo” WITTGENSTEIN, 1968, p. 111). Por sua vez, a de número 5.62 fará menção explícita ao solipsismo:
Esta observação dá a chave para decidir da questão: até onde o solipsismo é uma verdade.
O que o solipsismo nomeadamente acha é inteiramente correto, mas isto se mostra em vez de deixar-se dizer.
Que o mundo é o meu mundo, isto se mostra porque os limites da linguagem (da linguagem que somente eu compreendo) denotam os limites de meu mundo (Ibidem).Sartre, por sua vez, faz a seguinte consideração em sua obra principal, O Ser e o Nada:Uma psicologia que pretendesse ser exata e objetiva, como o “behaviorismo” de Watson, teria, em suma, que adotar o solipsismo como hipótese de trabalho. Não se tratará de negar a presença, no campo de minha experiência, de objetos que nós poderíamos nomear “entes psíquicos”, mas somente de praticar uma espécie de époquê no que se refere à existência de sistemas de representações organizadas por um sujeito e situadas fora de minha experiência (SARTRE, 1943, p.284).Finalmente, observo que o construtivismo, palavra tão difundida hoje no campo pedagógico, é de matriz kantiana, conforme explicitamente o reconheceu Piaget, sua fonte originária.
À vista das considerações precedentes espero ter deixado claro por que considerei um equívoco gnosiológico circunscrever Marx nos limites do pensamento moderno.No entanto, sabemos que as concepções que os homens elaboram não têm apenas um caráter gnosiológico, isto é, relativo ao conhecimento da realidade, mas também ideológico, isto é, relativo aos interesses e necessidades humanas. Em suma, o conhecimento nunca é neutro, isto é, desinteressado e imparcial. Os homens são impelidos a conhecer em função da busca dos meios de atender às suas necessidades, de satisfazer às suas carências. Se o aspecto gnosiológico, centrado no conhecimento, tende para a objetividade, o aspecto ideológico, centrado na expressão dos interesses, tende para a subjetividade. Mas esses dois aspectos não se confundem, não se excluem mutuamente e também não se negam reciprocamente. Ou seja: não se trata de considerar que os interesses impedem o conhecimento objetivo nem que este exclui os interesses. Os interesses impelem os conhecimentos e, ao mesmo tempo, os circunscrevem dentro de determinados limites. É nesse terreno que se desencadeiam os embates e as lutas do campo intelectual onde equívocos gnosiológicos podem se manifestar como acertos ideológicos. Assim, embora, como mostrei, a concepção marxiana não possa ser considerada como inserida na tradição da modernidade, sua inserção nesse âmbito por parte daqueles que se situam no horizonte da ordem social instaurada pelo capitalismo corresponde à tentativa de mostrar que a concepção que formula as condições de ultrapassagem desse horizonte se encontra aquém e não além da forma social atualmente dominante. Nesses termos, trata-se então de um acerto ideológico, pois expressa corretamente os interesses e necessidades dos que enxergam a organização social atual como ainda em expansão e, portanto, capaz de resolver os problemas que a humanidade vem enfrentando.
Mas, se a concepção elaborada por Marx partiu do ponto mais avançado atingido pela modernidade expresso pela filosofia de Hegel, efetuou sua crítica e inverteu os termos do problema posto pelo pensamento moderno desautorizando o idealismo, então não se trata de uma concepção inserida nos limites do pensamento moderno. Não é, pois, uma concepção ultrapassada, mas se insere plenamente no debate contemporâneo. E, pela crítica radical ao idealismo próprio do pensamento moderno, instaura um novo realismo que, obviamente, não pode ser interpretado como uma volta à metafísica da objetividade anterior à modernidade. Ingressamos, agora, num novo entendimento da objetividade que se beneficiou da incorporação de todos os elementos críticos desenvolvidos no seio da filosofia moderna.Conclusão: para uma pedagogia concretaAo discutir as bases da concepção dialética de educação que, a partir de 1984, passei a denominar de “pedagogia histórico-crítica”, afirmei que o movimento que vai do empírico (“o todo figurado na intuição”) ao concreto (“uma rica totalidade de determinações e de relações numerosas”) pela mediação do abstrato (a análise), constitui uma orientação segura tanto para o processo de descoberta de novos conhecimentos (o método científico) como para o processo de ensino (o método pedagógico). É a partir daí que podemos chegar a uma pedagogia concreta como via de superação tanto da pedagogia tradicional como da pedagogia moderna.
Uma pedagogia concreta é aquela que considera os educandos como indivíduos concretos, isto é, como sínteses de relações sociais. Assim, enquanto a pedagogia tradicional considera os educandos como indivíduos abstratos, isto é, como expressões particulares da essência universal que caracterizaria a realidade humana, a pedagogia moderna considera os educandos como indivíduos empíricos, isto é, como sujeitos singulares que se distinguem uns dos outros pela sua originalidade, criatividade e autonomia, constituindo-se no centro do processo educativo. Por esse caminho a pedagogia nova elide a história, naturalizando as relações sociais, como se os educandos pudessem se desenvolver simplesmente a partir de suas disposições internas, de suas capacidades naturais, inscritas em seu código genético.
Diferentemente, a pedagogia histórico-crítica considera que os educandos, enquanto indivíduos concretos, se manifestam como unidade da diversidade, “uma rica totalidade de determinações e de relações numerosas”, síntese de relações sociais. Portanto, o que é do interesse deste aluno concreto diz respeito às condições em que se encontra e que ele não escolheu, do mesmo modo que a geração atual não escolhe os meios e as relações de produção que herda das gerações anteriores. Sua criatividade vai se expressar na forma como assimila as relações herdadas e as transforma. Nessa mesma medida os educandos, enquanto seres concretos, também sintetizam relações sociais que eles não escolheram. Isto anula a idéia de que o aluno pode fazer tudo pela sua própria escolha. Essa idéia não corresponde à realidade humana.
Daí, a grande importância de distinguir, na compreensão dos interesses dos alunos, entre o aluno empírico e o aluno concreto firmando-se o princípio de que o atendimento aos interesses dos alunos deve corresponder sempre aos interesses do aluno concreto. O aluno empírico pode querer determinadas coisas, pode ter interesses que não necessariamente correspondem aos seus interesses concretos. É neste âmbito que se situa o problema do conhecimento sistematizado, que é produzido historicamente e, de certa forma, integra o conjunto dos meios de produção. Esse conhecimento sistematizado pode não ser do interesse do aluno empírico, ou seja, o aluno, em termos imediatos, pode não ter interesse no domínio desse conheci¬mento; mas ele corresponde diretamente aos interesses do aluno concreto, pois enquanto síntese das relações sociais, o aluno está situado numa sociedade que põe a exigência do domínio deste tipo de conhecimento. E é, sem dúvida, tarefa precípua da escola viabilizar o acesso a este tipo de saber.
Eis como a pedagogia histórico-crítica, trilhando as sendas abertas por Marx, situa-se além e não aquém da pedagogia moderna, habilitando-se a enfrentar os desafios postos à educação pela sociedade atual, ultrapassando o horizonte do capitalismo e da sua forma social correspondente, a sociedade burguesa. Por isso, os que se situam nos limites desse horizonte incorrerão, compreensivelmente, no equívoco gnosiológico de considerar a pedagogia inspirada no marxismo como uma concepção ultrapassada, circunscrita à problemática do século XIX. De fato, os interesses vinculados à ordem social hoje dominante, de cunho capitalista, não permitem outra interpretação, razão pela qual o mencionado equívoco gnosiológico se expressa como um acerto ideológico. Mas, para a grande maioria da população, cujos interesses só poderão ser contemplados para além dos limites da sociedade capitalista, não há entrave para a compreensão do movimento histórico que, como se evidencia nas pesquisas levadas a efeito por Marx, coloca a exigência de superação da ordem burguesa pela construção de uma sociedade em que estejam abolidas as relações de dominação entre os homens.
_____________Dermeval Saviani é Professor Emérito da UNICAMP, Coordenador-Geral do Grupo Nacional de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil” (HISTEDBR) e Pesquisador do CNPq.Referências:BALIBAR, Étienne, A filosofia de Marx. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1995.HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich, Filosofia de la história. Barcelona, Zeus, 1970.LOMBARDI, José Claudinei e SAVIANI, Dermeval (Orgs.), Marxismo e educação: debates contemporâneos. Campinas, Autores Associados, 2005.MARX, Karl, Contribuição para a crítica da economia política. Lisboa, Estampa, 1973.SARTRE, Jean-Paul, L’être et le néant. Paris, Gallimard, 1943.WITTGENSTEIN, Ludwig, Tractatus logico-philosophicus. São Paulo, Nacional/USP, 1968.