quinta-feira, 6 de março de 2008

Reforma tributária e luta de classes

Diante do rombo de R$ 40 bilhões da CPMF e do temor da recessão nos EUA, o debate sobre a reforma tributária volta a ganhar espaço na mídia. O governo Lula promete enviar uma proposta ao parlamento e trata o tema como algo puramente técnico. Já os mesmos ricaços, sonegadores, tucanos e demos, culpados pelo fim a CPMF, aproveitam o clima de incertezas na economia para exigir menos impostos. Hipócritas, eles alegam que a tributação no país é uma das mais altas do mundo e pregam cortes na “gastança social”. Neoliberais, desatam uma nova onda conservadora em defesa do “estado mínimo”, embalada numa bandeira que desperta simpatias na sociedade. O tema da reforma tributária é explosivo. O jogo de interesses que envolve é poderoso. Em certo sentido, a questão tributária é estratégica, já que condensa as contradições de classe na sociedade capitalista. A tributação reflete quem perde e quem ganha neste sistema. Quem banca a máquina pública, quem abocanha os recursos arrecadados, quem sonega e dribla o fisco. Devido às graves distorções deste sistema no país, que ajudam a explicar porque o Brasil ostenta um dos piores índices de desigualdade social no mundo, a reforma tributária é realmente uma forte exigência da atualidade, mas num sentido totalmente inverso ao pregado pelos neoliberais de plantão. “Vai resmungar na... Europa” Como revela excelente reportagem de Márcia Pinheiro na Carta Capital, intitulada “Leão atiça a desigualdade”, o sistema tributário brasileiro é dos mais injustos do planeta. “O assustador é que 70% dos impostos incidem sobre o consumo e apenas 30% sobre o patrimônio. Nos países desenvolvidos, a relação é oposta: 60% sobre o patrimônio e 40% sobre o consumo... Estudo do Unafisco [Sindicato dos Auditores Fiscais] comprova como a carga tributária é perversa. Quem ganha até dois salários mínimos gasta 45,8% da renda no pagamento de impostos indiretos, enquanto o peso para famílias com renda superior a 30 salários mínimos corresponde a 16,4%”. Quanto à suposta fúria do Leão sobre a renda dos ricos empresários e da alta classe mérdia, seria educativo se os adeptos do “Cansei” fossem morar na Europa ou mesmo nos EUA para deixarem de reclamar. O artigo desmonta este outro mito da mídia manipuladora. “A alíquota para pessoas físicas, aqui, vai de zero a 27,5%. Na Argentina, de 9% a 35%. Nos Estados Unidos, de zero a 35%, fora os impostos estaduais. Na França, varia de 5,5% a 40%... O imposto nativo sobre a renda tem baixa participação no total das receitas tributárias de apenas 6,6% do PIB, enquanto a média dos países europeus é de 13,6%. Além disso, no Brasil há apenas duas alíquotas, de 15% e 27,5%, enquanto nos EUA existem cinco categorias, o que torna o imposto mais justo”. A manipulação dos números Para a especialista Leda Paulani, professora de economia da USP, o sistema tributário brasileiro é injusto porque é regressivo – quem ganha menos paga mais impostos e o setor produtivo é mais penalizado do que os que lucram com a especulação financeira. Para ela, seria necessário reduzir as contribuições que incidem sobre o consumo, que atingem toda a população, e compensar esta perda com o aumento dos tributos diretos sobre a riqueza e a renda. Mas esta briga é titânica e a correlação de forças é adversa no parlamento. “A discussão sobre o patrimônio é a primeira a ser derrubada no plenário em qualquer tentativa de levar adiante a reforma tributária”, contesta. Quanto ao volume arrecadado, também há muita manipulação. De janeiro a outubro, a Receita arrecadou R$ 484 bilhões – 14% a mais do que no mesmo período de 2006. Parte deste aumento decorreu do próprio crescimento econômico de 5,2% nos três primeiros trimestres. Outra parte derivou da maior eficiência da fiscalização sobre os sonegadores. Além disso, como alerta Amir Khair, ex-secretário de Finanças da capital paulista, outra fatia enriquece os rentistas por meio de juros que remuneram títulos da dívida pública. “Da carga tributária de 34,2%, em 2006, foram abatidos 6,8% em juros. O que a União teve em caixa, na verdade, foi 27,4% do PIB para custeio e investimento. E não os alardeados 40% sempre sacados da cartola dos que reclamam da carga”. As benesses para os ricaços Na prática, o trabalhador é quem paga mais impostos no Brasil, já que o tributo é descontado na folha de pagamento. O chamado setor produtivo também sofre em decorrência do efeito cascata dos tributos. Já os tubarões contribuem bem menos proporcionalmente, quando não sonegam ou driblam o fisco através das isenções e elisões fiscais (brechas na legislação) e da informalidade. Parte destes bilhões não arrecadados é desviada para os paraísos fiscais no exterior. No caso da economia informal, Pedro Tolentino, presidente da Unafisco, afirma que é impossível mensurar o desfalque, “mas há cálculos de que, para cada um real pago à Receita, um real é sonegado”. A revista Carta Capital ainda registra outras três benesses concedidas aos ricaços. Até hoje não foi regulamentado o Imposto sobre Grandes Fortunas, apesar de ser contemplado na Constituição de 1988. Já os latifundiários e barões do agronegócio são beneficiados pelas medíocres alíquotas do Imposto Territorial Rural (ITR), além de contarem com a precária estrutura de fiscalização no campo. “Por fim, os grandes sonegadores abrigam-se no Judiciário, diz Khair. ‘Uma execução fiscal leva anos e anos para ser resolvida’. Não raro, quando a decisão sai, o devedor já fechou as portas, mudou a razão social ou lançou mão de outra manobra para não quitar os débitos”. De todos os setores da burguesia beneficiados pelo injusto sistema tributário o que menos pode reclamar é o capital financeiro. Principalmente a partir do reinado de FHC, em 1995, a legislação privilegiou banqueiros e rentistas. “A remuneração dos juros de capital próprio permitiu que os cinco maiores bancos do sistema financeiro nacional tivessem uma redução nas despesas com encargos tributários no montante de R$ 2,1 bilhões em 2005. Isso num ano em que lucro líquido das instituições registrou expressivo crescimento de 49,9%, para R$ 18,8 bilhões. Fora que os investidores estrangeiros são isentos de impostos quando adquirem títulos da dívida pública”. * Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB e autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi, 2ª edição)

O DISCURSO DA TÉCNICA OU A FALÁCIA DA NEUTRALIDADE

“Daí o tom de raiva, legítima raiva, que envolve o meu discurso quando me refiro às injustiças a que são submetidos os esfarrapados do mundo. Daí o meu nenhum interesse de, não importa que ordem, assumir um ar de observador imparcial, objetivo,seguro dos fatos e dos acontecimentos. Em tempo algum pude ser um observador ‘acizentadamente’ imparcial, o que, porém, jamais me afastou de uma posição rigorosamente ética (Paulo Freire).”
A pós-modernidade tem se deparado com um tipo de discurso (reativo) se legitimando ou buscando construir legitimidade principalmente a partir da década de 1990. Esse discurso ou vinha no corpo mesmo ou na esteira de uma outra concepção que afirmava o fim da história ou o fim das ideologias.
Credenciado a partir do fim da União Soviética (URSS) e das esperanças (?) de um socialismo centrado na garantia do inalienável direito à felicidade humana _ em oposição ao socialismo real _ estava naturalmente determinado a conduzir, em uma visão rasa de determinismo linear, o ser humano, até que enfim, ao progresso e à felicidade.
No tocante às relações internacionais as nações atrasadas deveriam apenas seguir o exemplo e o modelo, agora, redentoramente ofertado pela cartilha infalível dos países ricos. O resto era questão de tempo e o mundo, segundo esse discurso, estava pronto para ser feliz e usufruir as conquistas tecnológicas do capitalismo humanizado.
Essa visão de mundo, que como discurso se manifesta em um conjunto de práticas e ações que vão de noticiários comprometidos com a “veracidade dos fatos” às falas de personagens televisivos e cinematográficos construiu, ao longo de sua experiência em formatar e normatizar nossa opinião, uma série de desdobramentos ou de discursos transversais que cumprem o mesmo destino: fazer-nos acreditar que existe uma forma apenas e apenas uma forma de ver o mundo, porque esta é a forma ou a maneira certa, incontestável e inconfundível.
Este paradigma, este discurso expressão do pensamento único e da naturalização de quase todas as situações sociais _ que seria um equivalente ou desdobramento dos fenômenos naturais e não-humanos _ foi, em toda sua potência, o genitor do discurso da técnica, investido da falácia da neutralidade.
Hoje, nestes tempos de modernidade tardia, é essa a derradeira carta na manga do pensamento único, da versão transformada em realidade, da opinião transformada em verdade e de uma forma de verdade transformada em fato. É este o papel do discurso da técnica: colocar um ponto final na discussão social, política, cultural, econômica e humana. Há um jeito de se fazer às coisas e um jeito apenas, em que a condução técnica da “coisa” – principalmente da coisa pública _ tem caráter de neutralidade.
Ser técnico, analisar tecnicamente é ser neutro e ponto final. É ser responsável com a “natureza das coisas”. Coisas que, naturalmente, têm cada uma o seu lugar, cada uma sua evolução.
Pois é esse discurso da neutralidade técnica travestida de eficácia para o bem comum, imparcial e infalível, que conduz nossa compreensão social pelos caminhos da superficialidade.
Para além das disputas teóricas iluministas e pós-iluministas, deve-se centrar toda a força da racionalidade histórica em sua percepção. Pois é tarefa de todas as pessoas preocupadas em tornar o bem-comum um lugar de justiça e de garantia do inalienável direito à felicidade humana.
Não é possível aceitarmos que o velho capitalismo (em que tudo o que se produz destina-se às relações de mercado, que não tem por princípio atender às necessidades humanas) utilize-se, incontestavelmente, de um discurso que tem como principal tarefa nos deixar calados e estáticos.
Calados, para um falso mundo técnico e imparcial, a-histórico, que naturaliza a pobreza, a desgraça humana, a violência, a dor, a infelicidade.
Estáticos, para um mundo que, vale dizer, assisti a derrota das ideologias pela ideologia da neutralidade técnica.
Paulo César Machado
Profº de História

A destruição da educação pelo Governo Yeda

Com a suposta intenção de sanear a máquina pública do Estado, cortando recursos, o Governo Yeda, na pessoa da Secretária de Educação, Mariza Abreu, tem reduzido o número de turmas e fechado escolas. Porém, é preciso compreender, que por trás deste suposto saneamento de contas, encontra-se o real interesse de sucatear e, até mesmo, destruir a educação pública no Estado do Rio Grande do Sul.
O inchaço das salas de aula causado pelo fechamento de cerca de 2000 turmas e de 105 escolas em todo estado acarretará na queda sensível de qualidade na educação pública estadual. Não precisa nem ser especialista no assunto para entender e concluir isto. Uma sala de aula lotada faz com que o educador não possa atender de maneira satisfatória a todos os alunos. Imagine uma aula de Língua Portuguesa, uma das disciplinas que leciono, ou de Matemática, entre outras matérias escolares, que exigem, freqüentemente, atendimento individual aos alunos em uma sala de aula com 45 estudantes. Será possível, nestas condições, que o professor atenda de maneira satisfatória a todos os alunos? Quem responder que sim que me ensine a mágica ou que passe a pensar racionalmente.
O Estado mínimo neoliberal superlota salas de aula sem dar condições de trabalho dignas aos professores e sem fornecer os recursos para uma educação de qualidade. Para exemplificar, no ano que passou, o Instituto Olívia, que responde por um curso de formação de professores (Curso Normal), ficou a totalidade do ano letivo com a biblioteca fechada, pois o governo de Estado não designou ninguém para atender neste indispensável setor escolar.
Já no ano passado pronunciei-me, no jornal Panorama, de Taquara, sobre a maneira de condução das políticas públicas no Governo Yeda, o que afetava sobretudo a educação: “A governadora Yeda Crusius foi eleita convencendo a maioria da população gaúcha de que seria capaz de colocar em prática um novo jeito de governar. Muitos criaram a expectativa de que isto seria possível, no entanto, depois de pouco mais de cem dias de governo, o que se percebe é que a nova forma de governo é a aplicação do velho modelo neoliberal que prega um Estado mínimo e promove a destruição dos serviços básicos para a população.” Nesse novo jeito de governar, veio um novo jeito de educar que nos lega uma escola pública sem pessoal para a limpeza, para a biblioteca, para o laboratório de informática e para os setores pedagógicos, e empilha alunos em sala de aula.
Se a comunidade escolar (professores, pais e alunos) e a sociedade civil como um todo querem uma educação de qualidade no RS, que se mobilizem; já se querem uma educação destruída, sem qualidade, que cruzem os braços. No nosso Estado, tem-se realizado um processo de sucateamento da educação pelo Governo do Estado, o que não cessará e nem se reverterá sem a mobilização efetiva da sociedade, exigindo um outro modelo de administração da educação pelo Governo Estadual. Caso contrário, sem mobilização, a situação tende a piorar.
Rafael Hofmeister de Aguiar
Professor no Instituto Estadual de Educação Olívia Lahm Hirt (Igrejinha-RS)

Será que viramos credores?

Tem sido divulgada amplamente, a partir do Banco Central, a idéia de que, por obra e graça de uma política econômica competente e responsável, o Brasil se transformou de país devedor em país credor, a dívida externa acabou e não estamos mais vulneráveis ao intermitente mau humor do Tio Sam.
A mídia faz coro com esta interpretação edulcorada e muitos dos seus articulistas aproveitam a deixa para desqualificar toda e qualquer atitude rebelde contra a banca e o capital financeiro internacional e caracterizar como tresloucada a conduta dos governos da Venezuela, Equador e Bolívia, assim como da Argentina durante o calote muito bem aplicado por Nestor Kirchner.
Propaganda enganosa
Será mesmo verdade que de repente a nação superou sua histórica dependência econômica, passando de devedora a credora? A famosa vulnerabilidade externa já pode ser considerada coisa do passado? Se assim é, ou seja, se de fato viramos credores estamos provavelmente às portas do 1º Mundo, a caminho de deixar na poeira da história a condição de país periférico, dependente, para nos transformar numa potência capitalista, o que na olvidada concepção leninista é o status daquelas nações que aprendemos a classificar como imperialistas (1).
Pode até ser que o Brasil esteja a caminho de se transformar na grande potência imaginada pelos generais alguns anos atrás, mas pode ser também (e me parece bem mais provável) que estamos apenas diante de uma leitura superficial e ideológica das contas externas, sintonizada com o espírito e os interesses da mídia, uma leitura feita na medida certa para justificar o conservadorismo da política macroeconômica vigente. Em outros termos, trata-se de propaganda enganosa.
Conta falsa
Não terá sido à toa que o presidente do Banco Central, Henrique Meireles, tratou logo de atribuir a nossa nova condição (de credor) à “implementação de políticas macroeconômicas responsáveis e consistentes, baseadas no tripé responsabilidade fiscal, câmbio flutuante e meta para a inflação” (leia-se juros altos). O argumento que comprovaria a façanha é de fácil assimilação pelo senso comum.
O valor das reservas brasileiras (divisas em moeda forte e ouro em poder do país) superou o montante da dívida externa pública e privada (2). Teoricamente, isto significa que o Brasil tem mais crédito do que débitos no exterior, o que automaticamente nos transformaria em credores.
A conta é simples, porém falsa. O artigo do economista Lecio Morais publicado neste mesmo diário sugere que uma análise um pouco mais atenta das estatísticas sobre o setor externo divulgadas pelo próprio Banco Central em janeiro não recomenda a euforia generalizada que se observa em relação ao tema. (3)
Passivo não é dívida?
Em primeiro lugar, cabe notar (como fez Morais) que o passivo externo do Brasil vem crescendo de forma preocupante ao longo dos últimos anos, em vez de diminuir. Atingiu o valor (bruto) de 785,9 bilhões de dólares em junho de 2007. Descontando os ativos externos do país - que também aumentaram bastante, passando de US$ 107 bilhões em 2001 para US$ 313 bilhões no ano passado (incluindo as reservas, que no final de fevereiro estavam estimadas em US$ 191 bilhões) -, o resultado é um passivo externo líquido de US$ 472 bilhões. Não é um valor desprezível e não devemos considerá-lo como uma mera e incômoda abstração matemática.
O passivo externo deve ser entendido como um conceito mais amplo da dívida de um país. É preciso entender que, em sua outra ponta, ele significa o estoque geral de ativos nacionais em posse de estrangeiros. Estes não se restringem à dívida externa em sentido restrito. Constituem-se, em larga medida, da exportação de capitais em diferentes modalidades, incluindo os investimentos diretos realizados pelas transnacionais, aplicações em títulos de renda fixa, aquisição de ações de empresas brasileiras, além dos empréstimos bancários.

Remuneração do capital
A relação entre passivo e ativo externo, que no nosso caso resulta no já referido passivo externo líquido de US$ 472 bilhões, reflete a interligação da economia brasileira com o capital financeiro internacional, de forma mais ampla e mais relevante que os títulos da dívida externa.
Qualquer que seja a modalidade do investimento em que está expresso, o ativo do capital financeiro internacional normalmente tem como contrapartida uma determinada remuneração, que no caso de investimentos capitalistas sempre significou lucro.
Formas da mais-valia
Do ponto de vista dos efeitos sobre a conta corrente, não faz muita diferença que a exportação de capitais assuma uma ou outra forma. Sob este aspecto, a única distinção relevante entre um empréstimo e um investimento direto ou em ações é que no primeiro caso a contrapartida (a remuneração do capital, seu lucro) é contabilizada como remessa de juros, enquanto no segundo é computada como saída de lucros e dividendos.
Lembremos aqui uma lição importante do filósofo alemão Karl Marx: lucros, juros e dividendos configuram denominações distintas para o excedente econômico extraído do processo de produção através da exploração da classe operária. São três modalidades da renda apropriada pelos capitalistas, cujo conteúdo básico é rigorosamente o mesmo: a velha e suada mais-valia (ou trabalho excedente) extraída da classe trabalhadora.
Espoliação invisível
Não se pode negar que a participação relativa dos títulos da dívida externa no passivo brasileiro declinou durante os últimos anos, de modo que a dívida já não tem, hoje, o mesmo impacto de antigamente sobre o balanço de pagamentos. As estatísticas não deixam margens a dúvidas quanto a isto.
Todavia, enquanto o peso dos débitos com os bancos caía, outras formas de exportação de capitais estrangeiros elevaram de maneira extraordinária o seu valor absoluto e relativo dentro do passivo, conforme revelam as estatísticas do Banco Central citadas no artigo de Lecio Morais. Ao contrário do que se verificava nos anos 80 e 90 do século passado, o estoque de investimentos diretos, impulsionados pela privatização na era FHC e posteriormente atraídos pelo crescimento, já supera em muito o valor da dívida, tendo alcançado US$ 287 bilhões em junho do ano passado. Os investimentos em ações somaram 260,8 bilhões na mesma ocasião.
O resultado disto é que em 2007 o pagamento líquido de juros, em todas as modalidades, recuou para US$ 7,1 bilhões, caindo 37% em relação a 2006, o que se explica pelo aumento das receitas com juros, de US$ 5,1 bilhões, em 2006, para US$10 bilhões no ano passado, decorrente basicamente das aplicações de reservas controlados pelo nosso Banco Central (nosso não, hoje é do Meireles e Cia.) em títulos do governo dos EUA.
Exploração capitalista
Diferentemente, as remessas totais de lucros e dividendos somaram US$ 21,2 bilhões em 2007, com crescimento de 29,9% na comparação com 2006. Já as remessas líquidas de royalties e licenças alcançaram US$ 1,9 bilhão (4). Devemos concluir daí, se adotarmos um ponto de vista marxista, que o valor da mais-valia brasileira apropriada pelo capital financeiro internacional nas diversas formas (juros, lucros, dividendos, royalties e licenças) e transferida ao exterior em 2007 totalizou mais de 30 bilhões de dólares.
Há mais de uma maneira de enxergar o fenômeno. O pensamento dominante (ainda mais agora que nossas incipientes multinacionais estão experimentando o gostinho viciado da acumulação e expansão no exterior) considera o lucro dos estrangeiros uma retribuição natural e justa do investimento capitalista que aqui eles realizaram.
Visão classista
O ponto de vista da classe trabalhadora, expresso naquilo que antigamente se chamava teoria do proletariado, não pode ser o mesmo. O conteúdo das remessas do capital financeiro é o fruto do suor mal pago do povo brasileiro, é trabalho excedente alienado ou mais-valia. Traduz uma exploração de classes, com a qual o operário consciente não deve se resignar, embora as relações de exploração tenham sido “naturalizadas” pelo pensamento liberal.
A realidade é que, além dos interesses da classe trabalhadora, os interesses nacionais em matéria de desenvolvimento também são afetadas de forma negativa pela exploração do capital financeiro internacional. Nota-se uma identidade entre os interesses do povo trabalhador e os interesses maiores da nação neste caso, o que não se observa em relação aos capitalistas.

Sangria da poupança nacional
O impacto dos lucros repatriados sobre a taxa de investimentos e o crescimento do PIB é negligenciado ou solenemente ignorado pela maioria dos analisas. Todavia, aqui convém lembrar uma lição que aprendi com o economista e professor Carlos Lessa, de que a poupança no capitalismo é formada basicamente pelos lucros gerados no processo produtivo (que, no caso em tela, se subdivide em lucros das multinacionais, juros bancários, dividendos, aluguéis, royalties, licenças etc.). O senso comum imagina que a poupança é dada pela economia feita com sacrifício por indivíduos ou famílias trabalhadoras (em boa medida depositada em cadernetas de poupança), mas isto significa pouco ou quase nada em vista da poupança que serve de base à acumulação e ao investimento (expansão) capitalistas.
O lucro que sai para remunerar as matrizes do capital estrangeiro é poupança nacional subtraída aos investimentos internos. Configuram, na verdade, uma espoliação imperialista tornada invisível pela cumplicidade do pensamento dominante e da mídia. Quando são positivos (como agora) os fluxos de investimentos estrangeiros obscurecem e em certa medida neutralizam os efeitos negativos das remessas sobre a taxa de investimentos, o que não altera a essência do problema.
Tributo imperialista
Os 30 bilhões de lucros, em diferentes modalidades, podem ser considerados uma espécie de tributo que o Brasil paga pela forma (subordinada) de inserção ao processo de reprodução e expansão do capital financeiro internacional, que confere ao sistema capitalista nacional, quando analisado sob uma ótica leninista, um caráter dependente, subalterno no interior da ordem econômica imperialista. Isto não muda da noite para o dia.
Embora os da direita digam que não, a dívida externa foi o garrote imperialista que provocou a crise do desenvolvimento nacional a partir dos anos 80 do século passado. As coisas mudaram e hoje já não se pode falar o mesmo. Contudo, o passivo externo líquido revitaliza a vulnerabilidade externa. A escalada das remessas de lucros e dividendos deveria ser considerada como um ultraje, não fosse à força do pensamento dominante e o escasso conhecimento do assunto nos meios políticos.
Déficit na conta corrente
Como conseqüência desta escalada, associada ao aumento das importações impulsionado pelo crescimento e o câmbio flutuante, as contas correntes estão de novo no vermelho. Em janeiro deste ano, o saldo negativo foi de 4,23 bilhões de dólares. Remessas de lucros e dividendos somaram três bilhões de dólares, enquanto o superávit comercial caiu para US$ 944 milhões.
Déficits em conta corrente não devem ser negligenciados. Em médio e longo prazo, eles podem se revelar um sério problema mesmo para potências capitalistas como os Estados Unidos. A decadência relativa da indústria e a decomposição da hegemonia do dólar são o preço do desleixo com o rombo na conta corrente do império, que se verifica desde 1982.
Todo saldo negativo nesta conta do balanço de pagamentos se desdobra em crescimento do passivo líquido e maior necessidade de financiamento externo. Quanto se torna recorrente, é prenúncio de problemas futuros no balanço de pagamentos, se o desequilíbrio não for corrigido a tempo. Apesar dos investimentos estrangeiros, que no momento estão em alta e cobrem o déficit em conta corrente (inclusive o de janeiro), o Brasil não está isento de riscos.
Taxar as remessas
No passado a consciência nacional sobre remessas de lucros era mais clara e desenvolvida. Uma das justificativas para o golpe de 1964, que como todos devem saber contou com o apoio ostensivo do imperialismo, foi à restrição das remessas de lucros imposta pelo governo Goulart em nome dos interesses nacionais, contra a vontade das multinacionais e seus aliados internos, através da Lei 4131, de 1962.
O liberalismo, exacerbado na gestão de Meirelles à frente do Banco Central, não é bom conselheiro no tratamento desta questão. No entanto, é ele que prevalece, como a referendar uma das razões do golpe aplicado pelos generais. Diga-se a favor dos militares que eles não foram tão liberais quanto se é hoje.
Não somos a China, que não precisa se preocupar com passivo externo e mantém um relacionamento soberano com as potências imperialistas e o capital financeiro internacional, ainda não se dá ao luxo do câmbio flutuante (apesar de ser a segunda potência econômica do mundo, atrás apenas dos EUA), e nunca foi liberal com a circulação de capitais. O mínimo que deve ser feito por aqui é tributar, fortemente, a remessa de lucros e dividendos, destinando os recursos arrecadados ao aumento dos investimentos públicos, conforme propõe a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil, a CTB.
Unidade de contrários
Festeja-se muito, e de modo unilateral, o ingresso de capitais estrangeiros no país, sobretudo na forma de investimentos diretos (que não migram com muita facilidade), sem atinar para suas conseqüências em médio e longo prazo. Em curto prazo este movimento de capitais parece positivo. É o que está determinando o aumento das reservas, visto que o superávit comercial em queda tem sido consumido com as receitas obtidas pelos investidores estrangeiros (lucros remetidos ao exterior). Os investimentos externos, em associação com a queda do dólar, são o fator que torna mais remota a possibilidade de uma crise cambial no Brasil.
Mas, a dialética nos ensina que os fenômenos, sejam eles naturais ou sociais, costumam constituir uma unidade de contrários. É preciso aprender a enxergar a contradição que carregam. O outro lado da moeda na entrada de capitais estrangeiros é precisamente o seu resultado, a porta de saída, a crescente transferência ao exterior de riquezas produzidas pela força de trabalho nacional. Enquanto o fluxo de capitais for positivo (ou seja, enquanto estiver entrando mais capitais do que saindo) o problema passará despercebido, será mascarado, obscurecido.
Contexto internacional
Em médio prazo, a percepção pode mudar. O Brasil tem sido beneficiado pela queda do dólar e a ascensão vertiginosa da China, provavelmente os dois aspectos mais relevantes do desenvolvimento desigual das nações na atualidade. O fortalecimento do real e a mudança das relações de troca internacionais, com o aumento do preço relativo das commodities, têm contribuído significativamente para o revigoramento do mercado interno, a estabilidade monetária, a redução do valor real da dívida externa, o crescimento da renda, o superávit no balanço de pagamentos.
O contexto internacional está mudando. Vivemos um momento de transição. Os EUA enfrentam sérias dificuldades e, não obstante, a economia nacional não está às portas de uma crise cambial, como em 1998 e 2002. Apesar disto, convém ser prudente e tomar certos cuidados. É até provável que Deus seja brasileiro, conforme sugere o nosso sábio presidente, mas o Brasil ainda continua um país capitalista, e dependente. Os caminhos da reprodução capitalista são contraditórios.
Fluxos e refluxos
A experiência histórica indica que os fluxos positivos de capitais do centro para a periferia do sistema imperialista não são eternos e transcorrem segundo um movimento cíclico contraditório, alternando fases de expansão com contração do crédito e dos investimentos em geral.
Sabe-se que o Plano Real foi viabilizado por uma conjuntura internacional favorável, caracterizada pelo que os economistas chamam de grande liquidez ou disponibilidade de poupança para investimentos no mundo. O erro foi considerar que a bonança era eterna. A chamada crise asiática e a moratória russa agitaram os mercados internacionais e provocaram uma forte reversão do fluxo de capitais, levando à rápida erosão das reservas brasileiras em 1988 e à dramática mudança da política cambial em 1999.
O balanço de pagamentos voltaria a uma situação crítica e constrangedora em 2002, depois de uma redução substancial dos investimentos diretos externos em todo o mundo e do colapso da Nova Economia nos EUA. O Brasil quebrou, mais uma vez, e FHC achou por bem recorrer aos préstimos do FMI, que como sempre vierem condicionados a medidas amargas e antagônicas à necessidade de desenvolvimento nacional.
Interesses nacionais
Se a história tem algo a nos ensinar neste sentido é que a representação falsa da realidade na época do real forte, em que as reservas também cresciam junto com o passivo externo, justificou a política liberal que orienta nosso relacionamento com o capital financeiro internacional, mas não serviu nem serve aos interesses nacionais. Quando a fonte de financiamento externo voltar a secar ou escassear será indispensável usar as reservas para cobrir o déficit em conta corrente, que reflete a remuneração do passivo externo. As reservas não serão exigidas apenas nem principalmente para pagamento da dívida externa de médio e longo prazo, mas por todas as outras formas de lucros remetidos ao exterior e ao mais do que provável repatriamento de capitais.
O ritmo e a profundidade da redução das reservas dependerão da maior ou menor volatilidade do capital, que está associado à modalidade do ativo apropriado por estrangeiros. A capacidade de migração dos investimentos em ações e renda fixa é evidentemente muito maior do que a dos investimentos diretos ou em títulos da dívida externa.
Não somos credores
É conveniente reiterar que os riscos de uma crise cambial em curto prazo são reduzidos, apesar da crise financeira irradiada dos EUA. O valor das reservas acumuladas até o momento faz a diferença em relação a outras ocasiões da nossa história. Contudo, se a preocupação com a economia nacional se projetar para o médio ou longo prazo já não podemos dizer o mesmo.
Quem exibe um passivo externo de quase meio trilhão de dólares não deve cantar de galo, nem pode se considerar um credor. Em que pese uma situação do balanço de pagamentos em curto prazo bem mais confortável do que em passado recente (o país não parece a caminho de uma crise cambial como em 1998 e em 2002), a posição do Brasil no interior da ordem imperialista internacional não é tão boa quanto se quer fazer crer. “Somos um país liquidamente devedor, o que não é nenhuma novidade”, conclui Lecio Morais.
Esta é uma premissa que devemos ter a prudência de considerar ao examinar o problema, a menos que se queira trocar a realidade pela ideologia (da direita). Em nome dos interesses nacionais, se quisermos evitar surpresas desagradáveis no futuro, é preciso exigir a mudança da política em relação ao capital financeiro internacional, com o estabelecimento de controle sobre os investimentos estrangeiros e o câmbio, bem como a tributação e outras formas de restrição às remessas.
Notas:

1- É certo que, com o tempo, os países imperialistas, por força do vício do parasitismo, acabam contraindo débitos no exterior e se transformando em devedores líquidos (como é o caso, hoje, dos EUA), mas isto já é outra história.

2- No dia 20 de fevereiro de 2008 “as reservas atingiram o recorde de US$ 188,2 bilhões que, somados a outros créditos e disponibilidades no exterior, superam em mais de US$ 4 bilhões, a dívida externa total de US$ 197,7 bilhões”, conforme informou o jornal “O Estado de São Paulo”, em editorial intitulado “De devedor a credor” (23-2, página A3). No final do mesmo mês, o valor das reservas era estimado em 191 bilhões de dólares (1).

3- O artigo, intitulado “Vulnerabilidade e investimento estrangeiro sentados na bolha”, foi publicado no “Diário Vermelho” dia 22-2

4- Um resultado líquido dos juros (entrada e saída) negativo, em 7 bilhões de dólares, nos coloca na estranha e inusitada situação de um país “credor” que paga juros, o que em parte pode ser explicado pelo fato de que a remuneração dos títulos do Tesouro dos EUA, onde foi investido o grosso das reservas brasileiras (em torno de 4% ao ano), é bem inferior aos encargos da dívida contraída com a banca internacional



*Umberto Martins, Jornalista, membro da Secretaria Sindical Nacional do PCdoB.

AS RELAÇÕES DE TRABALHO E A CONVENÇÃO 151 DA OIT

O tema “servidor público” é pouco debatido em termos de estudos acadêmicos, sendo a sua literatura escassa e, raros são os trabalhos publicados sobre o tema tratando-o de uma maneira abrangente. Já a doutrina brasileira insere o tema, principalmente, no âmbito do direito administrativo, do direito constitucional e previdenciário perpassando, em determinados momentos, por outras disciplinas jurídicas. As maiores produções foram organizadas por estudiosos de linha conservadora, na sua ampla maioria, administradores/gestores, sem uma vivência cotidiana de servidor público voltado para a prestação de serviço público de qualidade à sociedade Brasileira.

Por Fátima dos Reis*
Infelizmente, a verdade é que os doutrinadores e os próprios servidores públicos, ainda não despertaram para a realidade do serviço público, em todas as esferas de governo e de poder, da importância das relações de trabalho estabelecidas entre a administração pública e os seus servidores, que assegure o respeito às leis e aos direitos dos cidadãos e garanta as conquistas dos trabalhadores, bem como do papel fundamental que desempenham no processo de desenvolvimento do país, com crescimento sustentado, através de políticas públicas, executadas por trabalhadores públicos capacitados e que se sintam co-participes do todo o processo, indo desde a elaboração, passando pela sua execução, chegando até a sua avaliação.

As relações de trabalho entre os servidores públicos e o Estado sempre se deu de forma unilateral, podendo ser modificadas a qualquer momento e sem prévio aviso, de acordo com os interesses da administração pública, conforme atestou o administrativista Hely Lopes Meirelles.

“...no interesse do serviço público,..., ainda que em seu prejuízo pessoal; os seus direitos podem ser restringidos e as suas obrigações ampliadas, sem necessidade de sua aquiescência e sem que possa, opor-se às modificações unilateral da administração”. (Meirelles, 1976, p.374).

A Constituição de 1988 procurou o estabelecer o equilíbrio entre o Poder Público e seu quadro de pessoal, não resguardo apenas os interesses dos servidores públicos, mas assegurando ao Estado os meios para administrar com legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade, eficiência, razoabilidade e proporcionalidade conforme artigo 37 da CF/88.

A nova Constituição ampliou diversos direitos aos servidores públicos e, embora tenha havido avanços importantes como a irredutibilidade de remuneração e o reconhecimento do direito de organização e de greve, o servidor público ainda é tratado como “peça da engrenagem estatal”, sem direto a negociação coletiva, e como tal, está sujeito “à vontade dos governantes/gestor”. Prova disso são as Emendas Constitucionais (EC) 19, 20 e 41 que suprimiu as conquistas da Constituição em 88, unilateralmente.

Já no final da década de 80, Fernando Collor e a imprensa, proporcionou um dos maiores ataques ao servidor público insuflando a população contra os servidores públicos realizando a “caça aos marajás”, estigma que perdura até os dias de hoje.

Neste período se deu o maior número de aposentadorias precoce da história, sendo agravada pelas reformas realizadas pelo Governo de Fernando Henrique Cardoso. Durante estes governos o neoliberalismo se manifestou na sua forma mais cruel.

Atualmente, apesar de termos um presidente cuja origem é a classe trabalhadora, o governo federal tem decidido, de forma unilateral, principalmente, quando, em seu primeiro governo, realizou a malfada reforma da previdência em 2003 eliminando, assim, mais uma conquista da CF de 88.

Exemplo mais recente da unilateralidade do governo no que se refere ao servidor público é o caso da CPMF, quando o Ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, em reunião com mais de 20 entidades sindicais de servidores, propôs a repactuação dos prazos dos acordos já firmados com algumas categorias em vista da perda de R$ 40 bilhões no Orçamento de 2008 depois da rejeição pelo Congresso da CPMF. Se tivéssemos o direito a negociação coletiva, fatos como este jamais aconteceria. Atitudes como esta acontece nas três esferas de governo e de poder e se dá pelo fato da não regulamentação do direito de greve e do direito a negociação no serviço público.

A convenção e a Constituição Brasileira

Neste contexto, um tanto quanto contraditório, o Governo acena com um importante avanço no estabelecimento de novas e democráticas relações de trabalho com seus servidores, ao enviar para o Congresso Nacional a proposta de ratificação da Convenção 151-OIT que tem como propósito estabelecer uma nova relação de trabalho entre o servidor público e o Estado, instaurando processos que permitam a negociação das condições de trabalho entre as autoridades públicas interessadas e as organizações de trabalhadores da função pública.

A Convenção 151 da Organização Internacional do Trabalho data de 1978, tendo entrado em vigor no plano internacional em 25 de fevereiro de 1981. No seu artigo 1º, afirma que ela deverá ser aplicada a todas as pessoas empregadas pela administração pública, na medida em que não lhes forem aplicáveis disposições mais favoráveis de outras convenções. Trata da proteção ao direito de sindicalização, das facilidades que devem ser concedidas às organizações de empregados públicos, incentivando a solução negociada dos conflitos surgidos no exercício das relações de trabalho.

Com ratificada a Convenção 151, será possível ao governo negociar com os sindicatos a regulamentação de relação de trabalho de cada uma das categorias do funcionalismo. A questão da greve faria parte desta contratação coletiva.

Limitadores constitucionais

A Constituição Federal Brasileira de 1988, em seu artigo 9º assegura o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender. O inciso VI, do artigo 37 da Constituição Federal, garantiu ao servidor público civil o direito à livre associação sindical. Já no inciso VII do artigo 37, ficou assegurado o direito de greve do servidor civil, nos limites definidos em lei.

Embora a CF garanta ao servidor público o direito de sindicalização e decidir sobre a realização de greve, o servidor público não tem assegurado na Constituição o processo de negociação coletiva, onde são colocadas numa mesa as suas reivindicações. Por decisão do STF, através da ADI 492-DF o servidor público civil não pode negociar por meio de uma convenção coletiva e, não sendo possível a realização de acordo, todo processo de discussão entre o governo e seus servidores deverá ser transformado em projeto de lei, para ser aprovado pelo Congresso Nacional. Hoje, apenas 9 (nove) categorias tem firmado com o governo um termo de acordo negociado, em processo de greve, em 2007.

Apesar de todas as contradições e impedimentos presentes na Constituição de 88, só foi possível inserir os chamados pequenos avanços, em função da mobilização dos servidores públicos que nunca deixaram de realizar suas reivindicações, através de greve, desde a década de 80, período mais duro do regime militar, pois, somente com ela seus pleitos são resolvidos. Mesmo num período democrático, as greves dos servidores têm acontecido com freqüência, enquanto instrumento legitimo de pressão, e somente com elas, as suas reivindicações têm sido atendidas.

Fica a pergunta, será que as condições legais e objetivas para se implantar esta convenção no Brasil serão criadas? Criar estas condições é o desafio de todos!

Este é um debate deve abranger o conjunto dos servidores públicos através de todas as centrais sindicais e entidades de servidores públicos, com a abertura de audiências públicas para que possamos ter assegurada a participação de todos, não podendo ficar apenas no âmbito de uma central sindical.

* Fátima dos Reis é assistente social, coordenadora de Educação da Fasubra sindical, Coordenadora do Sint-UFG