sexta-feira, 22 de agosto de 2008

História e Cultura Afro-Brasileira e Africana

HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E AFRICANA


Luiz Etevaldo da Silva*

A Lei Federal nº 10.639 de 2003 determina a inclusão de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nos currículos de Educação Básica. Tem como fundamento reforçar a luta pele diminuição do preconceito, discriminação e racismo com relação aos afrodescendentes no contexto social brasileiro. É um dispositivo legal importante, embora o fenômeno seja complexo, que não se resolve com simplesmente uma lei.. Pois, trata-se de mudança cultural e isso é difícil e lento para transformar, mas é possível, visto que o racismo foi criado por homens e mulheres no decorrer dos tempos. Encarar esta questão no âmbito das relações pedagógicas e políticas na escola é necessário.

A escola, enquanto instituição social responsável por assegurar o direito da educação a todo e qualquer cidadão, deverá se posicionar politicamente contra toda e qualquer forma de discriminação. A luta pela superação do racismo e da discriminação racial é, pois, tarefa de todo e qualquer educador, independente do seu pertencimento étnico-racial, crença religiosa ou posição política (CNE). Contudo, simplesmente incluir este conteúdo no currículo não significa que esteja atendendo os anseios dos que lutam pela filosofia intercultural. Uma coisa é colocar como perfunctório, ou seja, para atender as obrigações da Lei, outra é acreditar que é importante e dar visibilidade pedagógica e política no currículo, criando condições de proporcionar ampliação da democracia e da cidadania.

Pensar o preconceito, a discriminação e o racismo pressupõem-se querer um modelo de sociedade mais democrática e com mais cidadania. É explicitar no currículo a dimensão política da educação voltada a intervenção social e cultural. É criar meios para constituir subjetividades que favoreçam a criação de novas formas de sociabilidade, com mais alteridade, equidade e cidadania. A Lei 10.639, neste sentido, constituiu-se numa decisão política do Governo Federal. Encarou a questão com o mérito que merece. De acordo com o pensamento da professora Luciane R. D. Gonçalves, ao qual também concordo, “a temática racial tem muito a contribuir para a construção de um currículo e de uma escola mais democrática, que aborde as diferenças e as lutas cotidianas por uma sociedade mais justa”. Sendo assim, é preciso considerar que tratar a questão étinico-racial no currículo escolar, no caso a africana, exige também uma postura política, uma explicitação em defesa da luta pelas desigualdades sociais, de políticas públicas de qualidade, enfim, repito, por mais cidadania. Pois, os afrodescendentes é um grupo étnico em desvantagem no Brasil, devido evidentemente as formas políticas que excluíram eles no decorrer do processo histórico, desde o sistema escravista e pós-libertação. Hoje 120 anos da criação da Lei Áurea, que determinava o fim da escravidão no Brasil, ainda são visíveis a condição de exclusão social, econômica e cultural dos afros contemporâneos, todas as pesquisas mostram isso.

Segundo Gonçalves, a valorização da cultura européia fez com que as outras raças e etnias, como indígena e a africana, ficaram relegadas a inferioridade e até em certos casos no abandono total e exclusão. A aculturação de um povo é como lhe tirar sua representação e deixar-lhe sem alma. Tal fato repercute com gravidade na sua auto-estima e na sua valorização como raça. Refletindo profundamente com base em suas idéias podemos levantar como sendo uma das determinantes da violência social este problema desprezo etino-racial histórico. Visto que isto se configura nas relações humanas cotidianas, através de piadas, olhares, ironia, rejeição, generalizações, estereótipos, entre outra tantas formas de expressão.

Portanto, o tema abordado neste texto é um desafio para toda a sociedade e, principalmente, para nós educadores. Temos que confessar que é difícil trabalhar pedagogicamente a temática dos preconceitos, da discriminação e do racismo. Mas é preciso, muitas reflexões, debates, são necessários para nos preparar filosoficamente. Não existem receitas prontas para tratar este assunto com certeza. O caminho mais indicado penso ser o de criar condições de humanização, através de um currículo que tenha como fundamento a reflexão ética, disposição política para construir um modelo de sociedade mais justo e que valorize a interculturalidade, enquanto diálogo respeitoso entre as diversas culturas.

*Professor

Texto publicado no Jornal HoraH, Ijuí/RS, em 15/08/08.

sexta-feira, 13 de junho de 2008

A DIMENSÃO POLÍTICA DO CONHECIMENTO

Luiz Etevaldo da Silva**
Que modelo de sociedade pretendemos? Sempre que fazemos esta pergunta estamos nos referindo à política, sem recorrer a conceitos de famosos filósofos e cientistas políticos. No ponto de vista educacional faz-se necessário pensar em primeiro lugar o que pretendemos ao educar. Que conteúdos escolares são importantes para criar condições de constituir formas de sociabilidades que valorizem a vida em primeiro lugar. Cujos sujeitos no processo social aprendam a pensar a sociedade levando em consideração as diversas dimensões que configuram as práticas sociais e políticas. Na sociedade temos correlações de forças que disputam espaço e cada uma defendendo seus interesses. Num Estado democrático é fundamental que tenhamos capacidade de dialogar, com capacidade de discernimento, para buscar entendimentos sobre o que é melhor para nós. Neste processo a educação é indispensável.
Buscar um conhecimento para uma vida decente é procurar pela própria história da educação enquanto instituição que contribui para a cristalização do modelo preconizado pela modernidade e, a partir do compromisso articulado no e com o mundo, construiremos sua superação, apontando para uma escola possível e viável para as classes populares (Costa). A relação entre educação e política é determinante para quem pensa em mudanças sociais, políticas e econômicas. Tudo tem ligação com a política. A sociedade que temos é resultado de ações articuladas por ela. Alguém em algum tempo e espaço pensou o que seria o mais adequado, de acordo com seus interesses. A história social não é algo natural, ela é construída por homens e mulheres no processo de viver em sociedade.
A sociedade precisa ser pensada e repensada. Se nós não pensarmos, alguém fará por nós. Mas, não é suficiente apenas pensá-la. È necessário consciência e depois enfrentamento para construir as formas de sociabilidades, as relações dos humanos com a natureza e com o mundo do trabalho que desejamos. Entender e compreender o processo histórico como possibilidade é condição para sermos protagonistas da história. “A possibilidade está em dizer a palavra, em desafiar os grupos populares, para que percebam, em termos críticos, a violência e a profunda injustiça que caracterizam sua situação concreta”(Freire). Política, então, é refletir para encontrar meios inteligentes e éticos para se construir relações que favoreçam a cidadania. É participar e dizer o que desejamos. A educação para politização tem compromisso com a dignidade humana, ou seja, com os direitos humanos.
O discernimento político depende da crítica para desvelar as dimensões ocultas das relações de poder do processo social. A problematização e esforço para entender as correlações de força de um determinado contexto sócio-político é fundamental para entender seu funcionamento e perceber quem é quem no processo. O Conhecimento é importante para tomar decisões. Ele diminui o âmbito das incertezas. Permite ter uma visão ampliada e dialética do processo histórico. Por isso, considero que ele é argamassa indispensável para o desenvolvimento social. “O conhecimento, como resultado de processos de aprendizagens, não existe no abstrato. Ele só existe aderido a pessoas, enquanto significado por sujeitos cognoscentes, ou reconhecido como tal. Um ato de conhecer implica, portanto, a cumplicidade do sujeito que o realiza”(Boufleuer). Todo conhecimento tem na sua constituição uma dimensão política. É resultado de intencionalidade das pessoas que criam conceitos para expressar (e defender) o que pensam e desejam.
O processo educativo tem que levar em consideração que o conhecimento é um “instrumento” e, como tal, pode ser usado para transformar ou para conservar as estruturas e os processos de uma determinada realidade sócio-histórica. Sempre que tomamos contato com um conhecimento, precisamos perguntar: quem a construiu, em que circunstâncias, o que está por trás dele, onde quem a construiu quer chegar com ele? Pensar em educação e política é tentar descortinar os interesses que estão em jogo num determinado processo histórico e colocá-los sob a luz da razão. É procurar fazer uma leitura do mundo com vistas à pretensão de decifrar a essência dos fenômenos, ir além das aparências e subverter a ordem do superficial. Somente assim, teremos condições de defender nosso processo de sociedade.
* Texto publicado no Jornal da Manhã, Ijuí, 05/6/08.
**Professor

terça-feira, 29 de abril de 2008

A Panacéia Educacional do Governo Yeda

A PANACÉIA EDUCACIONAL DO GOVERNO YEDA
(OU SERÁ QUE SOMOS TODOS BURROS?)


Em reportagem de ZERO HORA do dia 27 de abril, intitulada “Piratini prepara revolução em carreiras”, o Governo do Estado do RS, dirigido pela Srª Yeda Crusius até o ano de 2010, definitivamente mostra para que veio.
E definitivamente mostra que veio para transferir responsabilidades, confundir a opinião pública, difundir a idéia de que o servidor público de carreira é o responsável pela qualidade do serviço público do estado.
Poderíamos mudar a linha de raciocínio e concluir que na verdade nossa incapacidade racional não nos permite estabelecer a relação simples e lógica que a governadora expressa com suas idéias revolucionárias.
Então vejamos. Para a governadora o serviço público do estado e suas leis pré-históricas são responsáveis por frear a competitividade do RS. Preocupado por não conseguir estabelecer a relação, talvez por uma formação acadêmica precária em história, consultei dois amigos economistas que, para meu espanto, ficamos os três sem conseguir acompanhar tal raciocínio.
Inconformado por nossa falta de sagacidade, ainda mais pelo compromisso que temos com uma educação pública de qualidade, só podemos concluir que nosso despreparo foi culpa das instituições nas quais nos formamos e, que no final, contribuiu o “estágio de mentirinha” (me permitindo citar a sábia e filosófica declaração da secretária Mariza Abreu) que realizamos com o aval das escolas irresponsáveis nas quais estagiamos.
Do lugar de educador, com contrato temporário, a afirmativa que pode causar mais revolta é aquela que sentencia que “o principal desafio é reverter à lógica que impera no funcionalismo: a de entrar na carreira de Estado de olho na aposentadoria”. Pelo que me consta, entramos na carreira de estado de olho na sobrevivência! Mas o que me choca é que, enquanto escrevo, busco contrapor o argumento de quem recebe de salário mais de R$ 7.000 por mês, R$ 84.000 por ano e R$ 336.000 em quatro anos, enquanto que um trabalhador gaúcho, com um mínimo regional, tenha que trabalhar 65 anos sem gastar um centavo para acumular R$ 335.571,60.
De qualquer forma, deixando de lado a sátira e o espanto por tais colocações, é preciso encarar o papel do Estado e a ação de governo com a eminência de quem tem consciência dos assuntos públicos e, de preferência, com uma agenda de responsabilidade social.
Nesse sentido queremos afirmar que a política de premiação deve vir bem depois da política de dignidade salarial, que a responsabilidade pelas políticas de estado não são dos servidores públicos que têm funções estatutárias definidas e não funções de mandato; que a qualidade do serviço público é o resultado do seu investimento público e da valorização profissional e que o funcionalismo público é exercido com responsabilidade, com compromisso e permanecerá responsável e compromissado após a passagem deste governo.
Ainda assim, entendemos, trabalhadores em educação e demais servidores públicos do Estado do RS, que mais do que nunca é preciso abrir o diálogo com a sociedade gaúcha e exigir políticas públicas de impacto social que conduzam nosso estado ao crescimento, ao desenvolvimento, à melhoria da qualidade de vida de todas as pessoas. E acima de tudo, que se faça isto com respeito ao servidor público que tem no sangue a cultura da solidariedade e do compromisso gaúcho.
Paulo César Machado
Vice Diretor 34º Núcleo do
CPERS/Sindicato
Guaíba

segunda-feira, 28 de abril de 2008

O Dilema da Educação Pública

Luiz Etevaldo da Silva*

Pensar a educação é sempre necessário para quem luta pela afirmação e ampliação da democracia, da cidadania, pela justiça, ou seja, pelo desenvolvimento social. Num país como o Brasil, com imensas desigualdades sócio-econômicas, a educação pública é a única chance que dispõe a maioria da população para possibilitar à alfabetização, acessar ao conhecimento escolar, desenvolver as competências e habilidades que a sociedade contemporânea requer para dar conta das demandas do mundo do trabalho e das sociabilidades.
Nas últimas décadas, temos ouvido discursos e debates entre o Estado e a sociedade civil acerca da importância da inclusão dos excluídos sócio-economicamente na escola (pública). Isto acabou melhorando bastante. Agora a luta é pela qualidade da educação pública. Este considero um dos grandes dilemas do momento histórico que vivemos, em nível de Brasil. Visto que educação pública de qualidade supõe uma visão política que tenha como pressuposto dar oportunidades aos setores populares de igualdade de interação no mundo do trabalho, político, social, cultural, etc. “Neste momento alguém (da elite) certamente gritará, pára aí! O povão não pode colocar os privilégios da elite (econômica, social, cultural e política) em risco”. O importante, para os representantes dela, é oportunizar escola para todos. Porém, a qualidade é uma outra coisa.
Qualidade da educação pública não interessa aos que sempre tiveram e defenderam os privilégios da elite. Para manter a realidade social configurada como está os setores políticos têm claro que a desigualdade na educação remete à desigualdade social e econômica. Esta é uma das razões principais que não interessa educação pública de qualidade. A visão do capitalismo vigente controla a ascensão dos grupos populares, também, através da educação. Por isto, há aqueles que pensam e defendem que a escola pública não precisa ter supervisora, orientadora, bibliotecária, laboratórios, tecnologia. Na visão dos arautos do sistema, o povão não deve ter educação de qualidade, ele serve, principalmente, para ser objeto do sistema. Esta é a lógica entendida de forma simplificada. Para os conservadores, os setores populares não podem aprender a pensar a complexidade dos processos de dominação e a perversidade da política neoliberal.
Como os governantes são, em geral, da elite, educação pública continua décadas e décadas com índices desfavoráveis. O pior, passam para a sociedade que os principais culpados pela educação com baixa qualidade são os professores, que não são criativos. Segundo o ideário neoliberal, o sistema é uma beleza, nós é que somos incompetentes! Escondem sutilmente a lógica de exclusão do sistema vigente, que se dá, também, por meio do sistema de educação.
Quando ouvimos a educação vai mal, devemos perguntar, qual? A da elite vai bem! Pelo menos não ouvimos protestos em favor de qualidade na educação privada. Lógico que procuram qualificar mais a cada dia. Neste momento de construção de greve nas escolas públicas estaduais, em favor de educação pública de qualidade, os governantes não estão nem aí. Pois, os filhos deles certamente estão nas escolas particulares. Greve nas escolas públicas significa mais oportunidade para os filhos deles, que ganham tempo no desenvolvimento cognitivo e cultural.
O problema fundamental da educação pública ineficiente é político. São princípios e concepções que valorizam mais a lógica do mercado à lógica da vida. A luta por um modelo de sociedade em que o social esteja acima do mercado é o desafio primordial deste início de século. Pois, não há país desenvolvido sem educação de qualidade. A politização, nossa educadores e setores populares, é fundamental para mudar o curso da história, sobretudo no RS, pois é aqui que vivemos momentos difíceis, por causa da investida neoliberal. A nossa mobilização é que pode impedir o desmantelamento do sistema público de ensino. “Avante educadores, pais e alunos das escolas públicas”!

*Professor(Ijuí/RS)- email: luizetevaldo@yahoo.com.br

quarta-feira, 19 de março de 2008

PAGAMENTO DA LEI DE POLÍTICA SALARIAL "LEI BRITTO"

Orientação do Jurídico do Cpers Sindicato acerca da proposta do Governo Yeda em pagar escalonadamente as pendências da Lei Britto. Como é de utilidade pública, tornamos acessível a todos que queiram maiores esclarecimentos




TENÇÃO ASSOCIADOS DO CPERS!

NINGUÉM DEVE DESISTIR DOS PROCESSOS JUDICIAIS DA POLÍTICA SALARIAL

INFORMAÇÃO DA ASSESSORIA JURÍDICA SOBRE O PROJETO DE LEI Nº 54/2008, QUE TRATA DO PAGAMENTO DOS REAJUSTES DE VENCIMENTOS PREVISTOS PELAS LEIS Nº 10.395/95 E 10.420/95 (Política Salarial Governo Britto)


No dia 18 de março de 2008 a Governadora do Estado enviou à Assembléia Legislativa Projeto de Lei que “ autoriza o Poder Executivo a implantar índices de aumento previstos nas Leis nºs 10.395/95 e 10.420/95.”.

O Projeto tem apenas três artigos, nos quais consta a autorização para cumprimento do disposto nas citadas Leis, no que concerne aos índices fixos de reajuste, em quatro parcelas, de acordo o estabelecido no Anexo Único, que faz parte integrante do texto.

O Anexo Único indica os Quadros beneficiados pelas Leis que concederam os reajustes, prevendo o pagamento de ¼ do percentual correspondente em agosto de 2008, ¼ em março de 2009, ¼ em agosto de 2009 e, por fim, ¼ em março ou agosto de 2010. Conforme o previsto os índices pagos em cada parcela não serão cumulativos, interando, ao final, os percentuais totais devidos em função do disposto nas Leis nº 10.395/95 e 10.420/95.

O Projeto não trata de pagamento de atrasados e excetua aqueles que já tenham obtido em Juízo os mesmos índices.

Portanto, beneficia os que não ingressaram na Justiça, os que ingressaram na Justiça e que ainda não obtiveram a implantação por ordem Judicial e os que, tendo ingressado, perderam os processos.

Surgem daí indagações de como ficam algumas situações não contempladas ou previstas pelo Projeto.

Serão pagos os atrasados?
O Projeto não tem previsão em relação ao pagamento e os próprios representantes do Governo estão dizendo pela imprensa que serão satisfeitos através de Precatórios. Tal informação indica que a única forma de obter os atrasados será através do ajuizamento de ações judiciais. Assim, quem tem ação em Juízo não deve desistir da mesma e quem não tem deve ajuizar para cobrar os atrasados.


Como fica a situação de quem tem processo em Juízo e ainda não teve os reajustes implantados?
O Projeto diz que os reajustes serão escalonados ao longo dos próximos três anos. Assim, no decorrer desse período quem obtiver ordem judicial de implantação terá o direito de perceber todo o reajuste de imediato. Portanto, não deve desistir do processo, até porque, se alguma das parcelas previstas no Projeto for implantada antes da ordem judicial será apenas compensada do valor total final.

Como fica a situação dos atrasados de quem perdeu na Justiça?
Essa situação terá de ser novamente pensada e formulada como ação para ser discutida em Juízo, pois o Projeto representa um reconhecimento do direito, o que poderá gerar um novo pedido de atrasados, com base nessa norma. Essa questão, entretanto, é complexa e exigirá um adequado estudo jurídico sobre viabilidade de uma postulação desse tipo.

Havendo o reconhecimento do débito em relação a todo o débito previsto nas Leis nº 10.395/95 e 10.420/95, como fica a totalidade dos créditos deles decorrentes durante o período compreendido entre agosto de 2008 e março ou agosto de 2010?
O inciso XXXVI, do artigo 5º, da Constituição Federal, diz que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Assim, havendo direito adquirido dos servidores beneficiados com os reajustes previstos nas Leis nº 10.395/95 e 10.420/95 qualquer disposição de lei que restrinja sua eficácia infringirá a norma constitucional antes citada. Portanto, não são inconstitucionais as disposições do Projeto Lei nº 54//2008, mas o calendário de pagamento proposto deixa cumprir por inteiro os direitos previstos nas referidas Leis que pretende cumprir, deixando para trás não só os atrasados que retroagirão a agosto de 2008, como, também, as diferenças entre a primeira parcela e o total devido, que será integralizado em março ou agosto de 2010. Essas diferenças poderão, também ser cobradas em Juízo.

Reiteramos, desta forma, que ninguém deve desistir dos processos judiciais, pois o que vai ser concedido pelo PL 54/2008 é apenas o reconhecimento de parte do que a Justiça já está dando, havendo o direito aos atrasados, sobre os quais não há porque renunciar.

Essas são as primeiras observações que podem ser feitas sobre o Projeto, devendo-se aguardar a tramitação do mesmo, as emendas que receberá na Assembléia e a sua transformação em Lei, que só ocorrerá com a sanção da Governadora, para se ter uma posição jurídica definitiva sobre os efeitos e conseqüências do mesmo sobre os diretos dos servidores beneficiados.

Porto Alegre, 19 de março de 2008.


Buchabqui e Pinheiro Machado
Advogados Associados

sexta-feira, 14 de março de 2008

EDUCAÇÃO E CIDADANIA

Luiz Etevaldo da Silva[1]


RESUMO

O artigo tece considerações acerca das dimensões da cidadania no processo educativo. Partimos de reflexões sobre o sentido e o significado dela na prática pedagógica. Depois analisaremos as possibilidades de ampliação pelas políticas públicas, o papel da escola voltada à educação cidadã, os desafios de uma prática constituinte da cidadania e a performance pedagógica e epistemológica que pode dar fundamentação a dialética educativa empoderadora dos sujeitos para conquista da cidadania.

Palavras-chave: cidadania- poder público- educação cidadã

ABSTRACT

The article talks about the dimension of citizenship in the educative process. We start by reflecting about the sense and the meaning of this citizenship in the pedagogical practice. Then, we are going to analyze the possibilities of enlargement through the public politics, the role of school according to the citizen education, challenges of a pedagogical practice related to the citizenship and the pedagogical and epistemological performance which can give sense to the educative dialectic that gives resources to people have the citizenship.

Word-key: citizenship - to can public - education citizen


INTRODUÇÃO

Todo processo educativo deveria ter como pressuposto facilitar a ampliação da cidadania. O conhecimento e os saberes precisam ter uma relação significativa com a vida dos sujeitos educandos. Educação que não contribua para uma melhor qualidade de vida tende a perder o sentido. Educação para o exercício da cidadania exige pensar a vida em sociedade e refletir sobre o mundo. Sendo assim, não há um modelo de aula de cidadania, tudo depende do contexto de sala de aula, do espaço onde se fala, da realidade social e política dos educandos. Os conteúdos voltados à educação cidadã tem que abranger as diversas dimensões epistemológicas, ou seja, o conceitual, procedimental e o atitudinal. O sujeito precisa ser visto numa multiplicidade de relações e todas interligadas, formando uma rede de relações. É necessário pensar que a cidadania é uma construção social e política, que envolve relações de poderes.

DIMENSÕES POLÍTICA E CONCEITUAL DA CIDADANIA

A educação para ser coadjuvante da cidadania não pode ser desligada da dimensão política. Visto que as relações sociais são marcadas por interesses, concepções e princípios. Conseguir cidadania no seu sentido amplo, então, é algo que envolve embate entre os seres sociais. A qualidade de vida está relacionada a uma dimensão coletiva, pois acontece em espaço social, onde muitas vezes alguém precisa abrir mão de determinados privilégios, repartir bens materiais ou imateriais, portanto, mexe com o status quo. A vida em sociedade não é natural, é uma construção cultural. E ela se configura a partir de processos políticos, na luta cotidiana pelos direitos humanos, nos consensos e nos discensos, pela unidade e pelas contrariedades, na ordem e nas desordens. A cidadania necessita uma dinâmica de vida dialética.
A educação voltada à cidadania pressupõe ter como objetivo básico constituir através das práticas pedagógicas subjetividades inteligentes, capaz de reunir recursos para resolver situações complexas do cotidiano. Desenvolver um pensamento que possibilite interagir nos espaços sociais demarcadores de sociabilidade de forma crítica. Pois, a cidadania depende de participação, democracia e ética. E para isso é imprescindível um aprendizado. Conseguiremos participar com qualidade política nos destinos da vida em sociedade se tivermos conhecimentos suficientes para compreender as idéias e os interesses que dão estrutura aos debates da organização social. Entenderemos os outros como sujeitos de direitos por meio de um entendimento do que seja democracia. E nossa conduta será humanizante se tivermos noção do conceito de ética.
Mas, o que é realmente cidadania? Para o dicionário Aurélio (1986), cidadania é a qualidade ou estado de cidadão, sendo que cidadão é o indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos de um estado. Mas, no sentido sociológico ou filosófico o conceito engloba mais dimensões. Segundo Milan (1996), citado por Rodrigues (2001, p. 165) cidadão significa:

...possuir direitos e deveres, ou mais precisamente, exercitar-se em seus direitos civis, sociais e políticos. Por conseguinte, é cidadão todo aquele que se capacitou a participar da vida na cidade e também da vida em sociedade, obedecendo a uma ética,na convivência entre seus pares e experimentando reconhecimento e a dignidade, no exercício de uma prática política consciente.

Para Silva (1987), cidadania

Não indica somente a qualidade daquele que habita a cidade, mas mostra a efetividade dessa residência, o direito político que lhe é conferido, para que possa participar da vida política do país em que reside (...) A cidadania é expressão que indica a qualidade da pessoa, que estando na posse de plena capacidade civil, também se encontra investida no uso e gozo de seus direitos políticos, que indicam, pois, o gozo dessa cidadania (RODRIGUES, 2001, p. 166).

Existem muitos conceitos para cidadania. Tomaremos neste artigo basicamente as dimensões elencadas por Rodrigues (2001, p. 169):

· Dimensões civis: liberdade de ir e vir; liberdade de expressão; liberdade de associação; liberdade de consciência e crença; liberdade de propriedade; garantia da igualdade de direitos; garantia de não-discriminação em virtude de sexo e raça; garantia da intimidade; garantia da integridade física e moral.
· Dimensões políticas: acesso ao exercício do poder; direito de participação na elaboração das leis; acesso à imprensa.
· Dimensões sociais: prevalência do coletivo sobre o individual; garantia de acesso a saúde; garantia de emprego; garantia de moradias digna; garantia de acesso à educação.

A partir destes indicativos podemos pensar que cidadania envolve a vida social em todos seus aspectos. A sociedade historicamente constituída é resultado da busca de homens e mulheres por qualidade de vida digna. Refletir sobre a cidadania é atribuir sentido e significado ao processo de viver. É definir um entendimento da condição humana no espaço e no tempo. Racionalmente procurar uma compreensão das relações entre os sujeitos sociais e entre eles e a natureza. Sendo assim, nossa capacidade de entendimento do mundo contribui ou não para uma consciência cidadã.


CIDADANIA NA AGENDA SOCIAL E POLÍTICA

A cidadania envolve as dimensões políticas, sociais culturais e econômicas. Tem um conjunto de fatores que permite ampliá-la ou não. Entre eles está o poder público, sejam o Município, a unidade federativa ou a União. Porém, geralmente na agenda dos governos a cidadania enfatiza apenas os aspectos civis e políticos, pois, tratar da dimensão social dela mexe com os interesses dos mais privilegiados, com a questão de classe, com o modelo de sociedade vigente. É muito mais fácil um governo falar em democracia , participação, exercício do voto, etc., em vez de tratar das injustiças sociais. Um modelo de sociedade que é marcado pela concentração de renda e riqueza, nega a cidadania a maioria da população. Um poder público que não atende a contento as populações periféricas, por exemplo, marca a realidade excluidora, que marginaliza grande contingente social.
Como foi referido antes, o poder público, geralmente, enfatiza as dimensões civis e políticas da cidadania, pois a dimensão social relaciona-se com as estruturas e os processos do modelo de sócio-econômico vigente no Brasil. Expandir ela impera uma política que promova distribuição de renda. É comum as lideranças políticas tradicionais associar a cidadania simplificadamente ao ato de votar e ser votado, a distribuição de cesta de Natal, às campanhas do agasalho, à retirada de documentos,aos mutirões de corte de cabelos, medir a pressão sanguínea,pintar unhas, casamentos coletivos, etc. Contudo,sempre procurando manter inalterado o modelo de desenvolvimento negador de cidadania, no ponto de vista social.
A ampliação da cidadania pelo viés social implica políticas públicas que criem oportunidades de inclusão, investimentos em educação, saúde, infraestrutura urbana e rural, distribuição de renda, lazer, moradia digna, etc. E isso, é praticamente impossível acontecer sem participação política da parte populacional menos favorecida. É necessário os segmentos excluídos constituírem consciência que a realidade configurada é resultado de processos sociais, ou seja , criada culturalmente pelas elites , não é algo natural. Sendo assim,é possível ser transformada.
Para que os poderes públicos coloquem na agenda benefícios aos mais necessitados é necessário pressão política, sem isso, não teremos ampliada a cidadania. É imprescindível participação política, os grupos privilegiados, em geral, não dão dádivas aos excluídos. É necessário que eles se assumam como sujeitos capaz de transformar. Para isso, a escola é fundamental, como defende Paulo Freire (1999, p.46):

Uma das tarefas mais importantes da prática educativa crítica é propiciar as condições em que os educandos em suas relações uns com os outros e todos com o professor ou a professora ensaiam a experiência profunda de assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de raiva porque é capaz de amar. Assumir-se como sujeito porque capaz de reconhecer-se como objeto.

A ESCOLA EDUCANDO PARA A CIDADANIA

Um dos compromissos da escola pública, principalmente, é construir conhecimentos e saberes que ajudem os educandos na luta por melhores condições de vida. Para isso é importante não esquecer de explicitar a dimensão política do processo educativo é necessário educar para empoderar os sujeitos na participação social e política. A prática pedagógica precisa estar voltada à emancipação e libertação. Não esquecer que

Cidadania não é algo abstrato; faz parte da realidade do indivíduo, do direito à convivência, ao respeito mútuo, à segurança, à solidariedade,à amizade,à proteção e à liberdade. É ter consciência dos direitos, deveres e lutar para que se transformarem em realidade (SILVEIRA, 2001, p.12).

A libertação do educando da ignorância, dos preconceitos, da discriminação, dos estereótipos resulta na formação de subjetividades com mais possibilidades de emancipar-se, com consciência do seu papel no processo histórico. A educação precisa se articular para ser coadjuvante do protagonismo sócio-histórico das camadas populares.Para isso, tem que seguir a lógica da justiça curricular (CONNEL, 1995), cujo processo epistemológico não se desenvolve pela visão das camadas dominantes. Articula-se a partir dos interesses dos sujeitos excluídos, filosoficamente voltada a torná-los sujeitos da história, não adotando a mesma lógica que configurou o quadro social marcado pela injustiça social.
A escola pode ajudar a formar sujeitos críticos, que saibam julgar, fazer escolhas com menos contingências, emancipar-se da tutela dos grupos privilegiados, aqueles que tem como hábito considerá-los como objetos manipuláveis, principalmente em épocas de eleições, quando precisam do voto para manterem-se no poder político.
Até porque, como afirma Freire (1991, p. 83):

A escola onde tem lugar de destaque a apreensão crítica do conhecimento significativo através da relação dialógica, é a escola que estimula o aluno a perguntar, a criticar, a criar, onde se propõe a construção do conhecimento coletivo, articulando o saber popular e o saber crítico, científico, mediado pelas experiências do mundo.

Assim, é necessário um projeto pedagógico que ajude as camadas populares a engajarem-se na organização do espaço em que vivem, lutar pelos direitos humanos, por voz e vez no processo sócio-político. A politização dos seres sociais é fundante de uma sociedade esclarecida, que sabe o que quer, não ficar dependente que outros venham de fora dizer o que é bom para eles.
O educador para uma educação cidadã precisa acreditar na inclusão social, ter uma perspectiva política libertadora, ter uma prática coerente com a teoria e vice versa. Ter consciência que a história é construída por homens e mulheres mediante a participação política. Terá que buscar informações além da mídia burguesa. Ir em busca de visões de mundo alternativa, que enfatize uma lógica a favor da vida com qualidade. A educação crítica precisa de argumentação para o diálogo, saber defender seus interesses. Como pensa Demo(2000, p. 40):

Argumentar torna-se arte porque implica a construção jeitosa do discurso que, consciente de seus limites, busca convencer pela fundamentação aberta (...) Tentamos cercar a realidade que sempre é maior que nossa capacidade de argumentar. Precisamos de outros pontos de vista para vermos melhor, já que sozinhos, não ultrapassamos nossa maneira de ver.

UMA PRÁXIS CONSTITUINTE DA CIDADANIA

Uma educação que seja coadjuvante da cidadania impera para direcionamento político-pedagógico libertador. No século XXI temos que ter clara a perspectiva filosófica e sociológica que vai orientar nossa prática, como afirma Freitas (2007, p.8):

A reflexão em torno da educação e seus desafios no século XXI vem se constituindo em tema recorrente. A necessidade de atualização dos compromissos a serem assumidos pelas práticas educativa em cada momento histórico mobiliza-se frente à consciência da aceleração das transformações sociais neste início de século e de milênio. Diante das alterações que se anunciam no cenário social, a reflexão-ação em torno das mudanças no âmbito da escola e da educação em geral emergem como desafios nos educadores e às políticas educacionais. A necessidade de mudança assume caráter inquestionável no âmbito dos mais variados discursos e a urgência da educação do século XXI se traduz pela prerrogativa da inovação como sinônimo de transformação.

A educação na escola pública, sobretudo, precisa estar em sintonia com as idéias transformadoras que estão sendo gestadas nos movimentos populares. Pois, ampliar a cidadania, no caso brasileiro pressupõe transformações sociais, políticas e econômicas. Visto que ela ficará apenas no discurso se não lutarmos para que se efetive políticas públicas de qualidade no campo da saúde, educação, moradia, emprego, saneamento básico, etc. É Indispensável que os conhecimentos e saberes construídos pela escola impulsione o comprometimento dos sujeitos em desvantagem a lutar para propiciar uma realidade diferente, com menos exclusão, de tal modo que

A conscientização, compreendida como processo de critização das relações homem-mundo, é condição para a assunção do comprometimento humano frente ao contexto histórico-social (FREITAS, 2007, p.11).

A educação que ajude a cidadania interpela para uma prática humanizadora, onde o ser social seja concebido como sujeito de direitos, não seja visto apenas com um simples consumidor, que serve somente para o mercado. Ela deve empoderar as pessoas desumanizadas a lutar para superação tal situação. Para isso, o processo de conscientização é fundamental, porque sem ele dificilmente acontecerá mudanças nas estruturas e processos sociais e políticos negadores de cidadania. Compreendendo que

Somente um ser é capaz de sair de seu contexto, de distanciar-se dele para ficar com ele ; capaz de admirá-lo para, objetivando-o, transformá-lo e, transformando-o, saber-se transformando pela própria criação; um ser que é e está sendo no tempo que é o seu, um ser histórico, somente este é capaz, por tudo isso, de comprometer-se (FREIRE, 1979, p. 17).

A nossa perspectiva pedagógica é que vai alicerçar nosso projeto de educação cidadã. Educadores(as) com idéias conservadoras pouco vão ajudar aos educandos no processo de transformações sociais. A visão pedagógica dos docentes é fundante ou não de um processo de luta por cidadania. Freire (1986, p.27) argumenta que

Um dos papéis políticos fundamentais do educador é contribuir com a força da especificidade de uma situação pedagógica para transformar a escola conforme os interesses, as necessidades e os valores dos indivíduos, dos grupos e das classes que fazem a escola.

A escola cidadã organiza-se com pressupostos de construir conhecimentos que sejam importantes para orientar a vida dos educandos no mundo da vida. Ele não deve ser apenas transferência de conteúdos. É necessário que os sujeitos aprendam a pensar, apropriar-se de princípios e concepções libertadores, consiga estabelecer relações entre os elementos constituintes da realidade e criem sentido e significado dos conhecimentos para a vida. Quanto a isso freire (1986, p.45) condena os educadores repassadores de conteúdos:

O ato de conhecer do conhecimento existente a uma mera transferência do conhecimento. E o professor se torna o especialista em transferir conhecimento.

A alfabetização política dos sujeitos aprendentes exige apropriação de conteúdos críticos, dimensionados politicamente, dar condições de qualidade para interagir nos espaços sociais demarcadores de cidadania. Nesse caso, precisamos aprender a dialogar para dizer o que queremos, discutir, discordar, denunciar as injustiças sociais. Costa (2007, p. 46) neste sentido diz:

E o diálogo só tem sentido na medida em que permite o exercício do agir comunicativo de que trata Habermas e que colocam os sujeitos numa relação de horizontalidade. O diálogo, por conseguinte, constitui num fenômeno humano, uma exigência existencial.

Educação para a cidadania pressupõe propiciar aprender a pensar, utilizar-se dos conteúdos como meio para articular as idéias, defender a lógica de sociedade que proporcione melhores condições de vida. E isto tem sido,segundo Costa (2007, p.47) o maior medo dos educadores. Lendo suas próprias palavras talvez nos ajude a entender melhor esta questão:

Articular o pensar tem sido, ao que nos pareceu,o maior medo dos professores, a dificuldade de colocarem em prática aquilo que defendem no plano ideacional,ou seja, uma educação que contribua para a democratização das relações, que estimule a participação, que seja veículo de exercício de cidadania,que seja, enfim, desveladora, problematizadora, um ato crítico de conhecimento, de leitura da realidade, uma experiência de libertação humana.

Não podemos ingenuamente pensar que a escola sozinha irá resolver o problema da negação da cidadania, mas acreditamos, como Paulo Freire, que ela é importantíssima neste processo. Para isso, educadores(as) e educandos(as) precisam buscarem um conhecimento capaz de romper a lógica da simplificação e aprender a lidar epistemologicamente coma complexidade. Necessitamos, então, estudar bastante, estar sempre procurando novas maneiras de ver o mundo, novas concepções, aprofundando a compreensão e qualificando a interpretação do mundo da vida. Pensando que

Assim, não é possível um ensino de qualidade se não estiver sustentado num saber estudar por parte de educandos e educadores, um estudar sério e crítico que não se limite ao mais fácil e ao mais simples, que se contente com a pura transmissão de informações, muitas vezes parciais/truncadas/desconexas/ superficiais sobre o que está sendo objeto de investigação (GARCIA, 2007, p. 57)

O ato de estudar e aprender nos completa diariamente, nos humaniza, e na escola podemos encontrar condições privilegiadas para nos constituir como sujeitos histórico-culturais. Pois,

A escola onde tem lugar de destaque a apreensão crítica do conhecimento significativo através da relação dialógica. É a escola que estimula o aluno a perguntar, a criticar, a criar, onde se põe a construção do conhecimento coletivo, articulando o saber popular e o saber crítico, científico, mediador pelas as experiências do mundo (FREIRE, 1991, p. 83).

Então, a busca da cidadania também depende da aprendizagem significativa, para isso é importante o conhecimento de nossas possibilidades e limites, saber reunir recursos para resolver situações complexas colocadas pelas circunstâncias do nosso tempo. Porquanto, “a competência, enquanto capacidade de mobilizar recursos para desenvolver a atividade, está vinculada à própria formação humana” (VASCONCELOS, 2007, p. 67).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CONNEL, R.W. Reestruturação curricular: teoria e prática no cotidiano da escola. SILVA, Luiz Heron da; AZEVEDO, José Clóvis de (orgs). Petrópolis/RS: Vozes, 1995.

COSTA, Célia Maria. Professor: história de medos e ousadias. Revista de Educação AEC. Revista de Educação AEC, Ano 36, n. 143, Brasília, abril/junho, 2007, p. 38-53.

DEMO, Pedro. Saber pensar. São Paulo: Instituto Paulo Freire, 2000.

FREIRE, Paulo . A educação na cidade. São Paulo: Cortez, 1991.

FREIRE, Paulo . Educação e mudança. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 10. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

FREIRE, Paulo; SHOR, Ira. Medo e ousadia. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.

FREITAS, Ana Lúcia Souza de. A urgência da uma práxis transformadora e viável na educação do século XXI. Revista de Educação AEC, Ano 36, n. 143, Brasília, abril/junho, 2007, p. 7-20.

GARCIA, Olgair Gomes. Tempos de tanto desencanto, são tempos de pensar a recriação da escola. Revista de Educação AEC, Ano 36, n. 143, Brasília, abril/junho, 2007, p. 54-65.

RODRIGUES, Marcos T. G. A importância da cidadania na educação. Revista Ciências da Educação, Ano 3, n. 5, Lorena: SP, p. 165-184.

SILVEIRA, Nádia Dumara Ruiz. Escola, comunidade e cidadania. Revista de educação AEC. Brasília, ano 3, n. 119, 2001, p. 9-15.

VASCONCELOS, Celso dos Santos. Competência docente na perspectiva de Paulo Freire. Revista de Educação AEC, Ano 36, n. 143, Brasília, abril/junho, p. 66-78.


[1] Especialista em Humanidades. Professor da rede de ensino básica do Estado do RS.

quinta-feira, 6 de março de 2008

Reforma tributária e luta de classes

Diante do rombo de R$ 40 bilhões da CPMF e do temor da recessão nos EUA, o debate sobre a reforma tributária volta a ganhar espaço na mídia. O governo Lula promete enviar uma proposta ao parlamento e trata o tema como algo puramente técnico. Já os mesmos ricaços, sonegadores, tucanos e demos, culpados pelo fim a CPMF, aproveitam o clima de incertezas na economia para exigir menos impostos. Hipócritas, eles alegam que a tributação no país é uma das mais altas do mundo e pregam cortes na “gastança social”. Neoliberais, desatam uma nova onda conservadora em defesa do “estado mínimo”, embalada numa bandeira que desperta simpatias na sociedade. O tema da reforma tributária é explosivo. O jogo de interesses que envolve é poderoso. Em certo sentido, a questão tributária é estratégica, já que condensa as contradições de classe na sociedade capitalista. A tributação reflete quem perde e quem ganha neste sistema. Quem banca a máquina pública, quem abocanha os recursos arrecadados, quem sonega e dribla o fisco. Devido às graves distorções deste sistema no país, que ajudam a explicar porque o Brasil ostenta um dos piores índices de desigualdade social no mundo, a reforma tributária é realmente uma forte exigência da atualidade, mas num sentido totalmente inverso ao pregado pelos neoliberais de plantão. “Vai resmungar na... Europa” Como revela excelente reportagem de Márcia Pinheiro na Carta Capital, intitulada “Leão atiça a desigualdade”, o sistema tributário brasileiro é dos mais injustos do planeta. “O assustador é que 70% dos impostos incidem sobre o consumo e apenas 30% sobre o patrimônio. Nos países desenvolvidos, a relação é oposta: 60% sobre o patrimônio e 40% sobre o consumo... Estudo do Unafisco [Sindicato dos Auditores Fiscais] comprova como a carga tributária é perversa. Quem ganha até dois salários mínimos gasta 45,8% da renda no pagamento de impostos indiretos, enquanto o peso para famílias com renda superior a 30 salários mínimos corresponde a 16,4%”. Quanto à suposta fúria do Leão sobre a renda dos ricos empresários e da alta classe mérdia, seria educativo se os adeptos do “Cansei” fossem morar na Europa ou mesmo nos EUA para deixarem de reclamar. O artigo desmonta este outro mito da mídia manipuladora. “A alíquota para pessoas físicas, aqui, vai de zero a 27,5%. Na Argentina, de 9% a 35%. Nos Estados Unidos, de zero a 35%, fora os impostos estaduais. Na França, varia de 5,5% a 40%... O imposto nativo sobre a renda tem baixa participação no total das receitas tributárias de apenas 6,6% do PIB, enquanto a média dos países europeus é de 13,6%. Além disso, no Brasil há apenas duas alíquotas, de 15% e 27,5%, enquanto nos EUA existem cinco categorias, o que torna o imposto mais justo”. A manipulação dos números Para a especialista Leda Paulani, professora de economia da USP, o sistema tributário brasileiro é injusto porque é regressivo – quem ganha menos paga mais impostos e o setor produtivo é mais penalizado do que os que lucram com a especulação financeira. Para ela, seria necessário reduzir as contribuições que incidem sobre o consumo, que atingem toda a população, e compensar esta perda com o aumento dos tributos diretos sobre a riqueza e a renda. Mas esta briga é titânica e a correlação de forças é adversa no parlamento. “A discussão sobre o patrimônio é a primeira a ser derrubada no plenário em qualquer tentativa de levar adiante a reforma tributária”, contesta. Quanto ao volume arrecadado, também há muita manipulação. De janeiro a outubro, a Receita arrecadou R$ 484 bilhões – 14% a mais do que no mesmo período de 2006. Parte deste aumento decorreu do próprio crescimento econômico de 5,2% nos três primeiros trimestres. Outra parte derivou da maior eficiência da fiscalização sobre os sonegadores. Além disso, como alerta Amir Khair, ex-secretário de Finanças da capital paulista, outra fatia enriquece os rentistas por meio de juros que remuneram títulos da dívida pública. “Da carga tributária de 34,2%, em 2006, foram abatidos 6,8% em juros. O que a União teve em caixa, na verdade, foi 27,4% do PIB para custeio e investimento. E não os alardeados 40% sempre sacados da cartola dos que reclamam da carga”. As benesses para os ricaços Na prática, o trabalhador é quem paga mais impostos no Brasil, já que o tributo é descontado na folha de pagamento. O chamado setor produtivo também sofre em decorrência do efeito cascata dos tributos. Já os tubarões contribuem bem menos proporcionalmente, quando não sonegam ou driblam o fisco através das isenções e elisões fiscais (brechas na legislação) e da informalidade. Parte destes bilhões não arrecadados é desviada para os paraísos fiscais no exterior. No caso da economia informal, Pedro Tolentino, presidente da Unafisco, afirma que é impossível mensurar o desfalque, “mas há cálculos de que, para cada um real pago à Receita, um real é sonegado”. A revista Carta Capital ainda registra outras três benesses concedidas aos ricaços. Até hoje não foi regulamentado o Imposto sobre Grandes Fortunas, apesar de ser contemplado na Constituição de 1988. Já os latifundiários e barões do agronegócio são beneficiados pelas medíocres alíquotas do Imposto Territorial Rural (ITR), além de contarem com a precária estrutura de fiscalização no campo. “Por fim, os grandes sonegadores abrigam-se no Judiciário, diz Khair. ‘Uma execução fiscal leva anos e anos para ser resolvida’. Não raro, quando a decisão sai, o devedor já fechou as portas, mudou a razão social ou lançou mão de outra manobra para não quitar os débitos”. De todos os setores da burguesia beneficiados pelo injusto sistema tributário o que menos pode reclamar é o capital financeiro. Principalmente a partir do reinado de FHC, em 1995, a legislação privilegiou banqueiros e rentistas. “A remuneração dos juros de capital próprio permitiu que os cinco maiores bancos do sistema financeiro nacional tivessem uma redução nas despesas com encargos tributários no montante de R$ 2,1 bilhões em 2005. Isso num ano em que lucro líquido das instituições registrou expressivo crescimento de 49,9%, para R$ 18,8 bilhões. Fora que os investidores estrangeiros são isentos de impostos quando adquirem títulos da dívida pública”. * Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB e autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi, 2ª edição)